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Capítulo 3

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Capítulo 3


Capítulo 3:

Depoimentos

Sumário

Apresentam-se casos reais de pessoas com deficiência que mostram como as Tecnologias de Informação potenciam as suas capacidades, incluindo no ambiente de trabalho. Nos seus testemunhos relatam-se adaptações no local de trabalho, a utilização de Ajudas Técnicas e os motivos porque se servem sem cerimónias das Tecnologias de Informação.

O tema tratado por quem já saltou barreiras

Nos depoimentos que se seguem poderemos perceber, através do discurso directo de quem vive o tema deste Manual, que não há utopia na integração laboral das pessoas com deficiência através de Tecnologias de Informação acessíveis.

No sentido de podermos recolher informações pertinentes foram identificadas várias questões que poderiam ser objecto de reflexão para os depoimentos dos nossos convidados. Essas questões, que na sua maioria foram sugeridas pela Sandra Estêvão Rodrigues (cujo depoimento pode ser encontrado neste capítulo), são também apresentadas porque poderão ser úteis para futuros trabalhos, bem como para gestores de recursos humanos ou empregadores.

 

3.1 Guia para depoimentos e entrevistas:

- Num contexto mais geral: Partilhe os dados que o(a) identifica - idade, deficiência/ doença. Partilhe os seus interesses. Qual a formação, actividade profissional e local de trabalho? Como se relaciona fisicamente com o computador (referência à utilização de Ajudas Técnicas/ adaptações)? Desde quando usa o computador e a Internet? Isso mudou algo na sua vida?

- Num contexto de adaptação de Posto de Trabalho: Antes de mais, é útil sabermos se a adaptação ocorreu logo no início da actividade profissional, ou se, já estando a trabalhar a pessoa teve uma doença ou acidente que provocou essa necessidade.

- Para o caso daqueles que já tinham a deficiência quando iniciaram funções: Quais as dificuldades que teve em encontrar um local de trabalho que estivesse ou pudesse ser adaptado às suas necessidades? Que conhecimentos e formação possuía para a utilização das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) que utiliza?

- Para aqueles que, já se encontrando a trabalhar, sofreram mudanças nas suas condições físicas: Foi possível continuar no trabalho em que se encontrava, ou foi necessário mudar de empresa/ instituição? Como contactou com as TIC e que formação recebeu para as utilizar? Sentiu diferenças na sua produtividade depois destas adaptações? Quanto tempo foi necessário para voltar a desempenhar as suas tarefas? Os empregadores e os colegas colaboraram nessa adaptação?

- Agora, perguntas para ambos os casos: A empresa ou instituição onde trabalha teve de tomar medidas especiais para a sua integração profissional? Se sim, como foi esse processo? Qual a compatibilidade das TIC que usa para troca de informação com outros colegas de trabalho? Tem ao seu dispor os recursos que necessita no seu dia-a-dia de trabalho? Existem outras adaptações ou dispositivos que pudessem tornar melhor o seu desempenho? Acha que faz tudo que podia fazer ou sente-se desaproveitado? Sente que corresponde às expectativas das pessoas que trabalham consigo? Sente que estão mais atentos à sua produtividade e desempenho do que ao dos outros? As pessoas que trabalham consigo receberam informação para perceber a forma como trabalha, o que necessita e o que pode fazer? No fim de um dia de trabalho, sente-se satisfeito, ou pelo contrário demasiado cansado?

 

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  3.2 Depoimentos

Depoimento de José Pedro Amaral

 


Chamo-me José Pedro Amaral, tenho 45 anos de idade e estou surdocego.

Tenho como formação escolar o 9º ano unificado completo e a frequência do 2º Ano Complementar, nocturno, do Curso de Imagem e Audiovisuais da Escola António Arroio aqui em Lisboa; para além de outras acções de formação ligadas à fotografia fiz também composição de imagem e laboratório a preto e branco e um mini-curso de offset, na hipótese de poder vir a trabalhar nessa área.

Porém, por circunstâncias ainda pouco esclarecidas tornei-me um surdocego; já que antes era um mero deficiente auditivo com uma visão deficitária.

Actualmente estou a desempenhar as funções de Funcionário Público, Assistente Administrativo Principal, destacado, pois pertenço ao Quadro de Pessoal da Escola de Pesca e da Marinha do Comércio, na Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação.

Sou por natureza uma pessoa ligada à área de humanísticas; quer nos critérios de leitura quer na Defesa dos Direitos Humanos, e, nesse contexto, das Pessoas Portadoras de Deficiência bem como de outro tipo de minorias excluídas de uma sociedade humana em decadência.

A informática, ou seja: o computador/ Internet, surgiu na sequência de ter ficado surdocego, e, como tal, com dificuldades no acesso à informação e a impossibilidade de poder comunicar à distância, e não só, em tempo real.

Uso, portanto, um computador vulgar, sendo que para que lhe possa aceder tenho instalado um Software de ampliação de ecrã e o monitor do computador, de 19', configurado em “preto de alto contraste”.

Desta forma, e pelos motivos atrás expressos, acedo à Internet, e-mail, MSN-Messenger e tudo o mais que diz respeito a esta forma de conhecimento/ comunicação desde o primeiro momento em que, através das Ajudas Técnicas, foi colocado à minha disposição um computador com acesso à Internet; há perto de 6 anos, o que foi um verdadeiro, e incalculável, impulso numa integração que, pela surdocegueira, corria o risco de perder-se.

Se a deficiência auditiva e a baixa-visão que tinha antes da surdez total já se tornava, por si só, uma dificuldade na plena integração e interacção no local de trabalho, ao tempo a Escola de Pesca e da Marinha do Comércio, imagine-se as dificuldades que se me depararam, para além de ter ficado 6 longos e intermináveis anos “na prateleira” e sem função atribuída quando me tornei um surdocego.

O “salto” qualitativo nesta área deu-se quando, depois de variadíssimas tentativas e para vários locais, consegui um destacamento para o ex-DEB (Departamento de Educação Básica do Ministério da Educação) onde não foi necessário fazer qualquer adaptação ao posto de trabalho, pois já tinha feito um pedido nesse sentido ao IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional) através de financiamento de Ajudas Técnicas, o que a acontecer me veio, mais uma vez, permitir comunicar, através do e-mail, e receber a comunicação, não só dos colegas como, também do exterior; mantendo-me, por isso, em contacto com todos.

Em face de tudo o que atrás disse, estou em crer que, desde que as pessoas acreditem nas minhas potencialidades, colocando-me os meios técnicos e humanos necessários para tal, é bem possível que possa vir aceitar novos e promissores desafios; pois nunca perdi a capacidade de me surpreender a mim próprio com o que faço.

No entanto, e esta é a minha singela opinião, isso não está a acontecer, e a razão que se me oferece referir para tal prende-se com o facto de aqueles que me rodeiam estarem absortos, dizem eles, com absoluta falta de tempo; ficando por isso eu para trás nas minhas atribuições... mas também acredito que isso se deverá a uma falta de tempo para obter informação/ formação de qual a melhor forma de interagir com uma pessoa nas minhas circunstâncias...

Apesar disso, dada a natureza do trabalho que actualmente executo, tratamento de texto dos manuais escolares copiados em scanner e em OCR para posterior transposição e impressão em Braille devo confessar que, pela natureza do público-alvo do meu trabalho, é gratificante chegar ao fim de um dia de trabalho com o sentimento de “missão cumprida”.

José Pedro Amaral
http://www.lerparaver.com/amigos/josepedro.html

 

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  Depoimento de Manuel Francisco Costa

 


Chamo-me Manuel Francisco Costa, sou portador duma paralisia cerebral com grau de 95%, deficiência essa que, contra muitos ideais e barreiras, não impossibilitou que eu concluísse o 12º ano, área C, com notas altas, principalmente nas disciplinas ligadas à informática!

Em 2000, concluí o meu curso de design gráfico e multimédia no CRPG (Centro de Reabilitação Profissional de Gaia), mostrando real vocação para uma actividade em que a imaginação e criatividade reinam, mas que poucos acreditavam que eu iria conseguir algo um dia, devido ao “peso” da minha deficiência.

Como não sou daqueles que desistem facilmente, lá aconteceu o milagre, ou talvez não! Certo é que surgiu um estágio na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, e lá fui eu, como quem não quer a coisa! Limitei-me a fazer o meu trabalho, sem stress, sem olhar para o futuro, mas sempre com profissionalismo, porque era assim que tinha que ser. Curiosamente, na generalidade, as pessoas adaptaram-se bem a alguém diferente, novo, tímido, mas com o seu sonho sempre presente. Senti que tinha hipóteses e limitei-me a trabalhar e a sorrir; é importante sorrir! Meio ano depois estava contratado! Um ano depois estava efectivo! Surpreendente para uns, para outros nem por isso. Funcionário Público, hein!

Hoje tenho 28 anos. Adivinhem qual é a minha melhor companhia!? O computador, pois claro! Uma simples grelha no teclado permite-me controlar a máquina na plenitude, com um dedo, mas com a eficácia dos dez! No emprego, tenho o meu ritmo de trabalho, as pessoas conhecem-no, e tudo sai bem, mesmo sendo tudo para ontem, é a minha sina! Um novo elevador foi o único investimento imposto pela minha deficiência. Com este, a faculdade ficou totalmente acessível à minha cadeira de rodas eléctrica. Trabalho muito via e-mail, usando mesmo internamente este meio de comunicação para enviar o resultado final do trabalho que me é solicitado: um cartaz, um desdobrável, etc.

Desde 1999 que uso frequentemente a Internet; Banda Larga desde 2001! Diariamente, a Internet é o suporte do meu trabalho, da minha auto-aprendizagem, da minha comunicação, do meu divertimento. Já não me dou sem ela, quer no trabalho, quer em casa! Uso e abuso duma das maiores maravilhas dos nossos tempos, e não tenho problemas de Acessibilidade, visto que movo o ponteiro do rato através das teclas numéricas do teclado, portanto, no meu caso, nenhum site é inacessível. Considero-me um viciado na Internet, mas é um vício benéfico que não quero perder!

O meu emprego é o meu maior orgulho, tirando o meu “portismo”, claro ! Ser trabalhador aumentou a minha alegria de viver, embora considere que recebo um salário abaixo do merecido devido à colocação numa falsa categoria. As pessoas exigem muito de mim porque sabem aquilo que lhes posso dar, e sou tratado sempre com palavras de agradecimento e reconhecimento. Apesar de conhecer bem a minha deficiência, e adorar o meu locar de trabalho, penso um dia voar ainda mais alto, porque sei que posso contar sempre com um PC para exprimir as minhas potencialidades.

À noite, quando me deito, tenho o delicioso sabor de missão cumprida, mas sei que amanhã mais pessoas precisarão dos meus serviços e uma nova missão me espera, tendo como arma um simples teclado…

Manuel Francisco Costa
http://www.mfrancisco.com (página pessoal)

 

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  Depoimento de Jorge Fernandes

 


A minha primeira “Ajuda Técnica” dá pelo nome de António, o meu irmão, que me acompanhou, depois de eu ter regressado a casa de uma ida à escola debalde e os olhos cheios de água, para passar o horário afixado no vidro de um dos pavilhões da Escola Secundária da Ramada naquele ano, que por grande surpresa minha tinha deixado de o ver.

Sou o Jorge Fernandes, tenho 36 anos de idade. Licenciei-me em Organização e Gestão de Empresas e desde os 14 anos, depois de um descolamento de retina, 16 vezes operado ao longo de 15 anos, que tento maximizar o meu resíduo de visão que quase todos os anos é diferente. Visão periférica do olho esquerdo, incapaz de ler o que quer que seja, e visão tubular do olho direito, é deste último que depende toda a minha capacidade de acesso à informação escrita.

Coordeno actualmente o Programa ACESSO da Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, estrutura responsável pelo Programa de Governo para os Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação. Sem tecnologia, seria praticamente impossível para mim desempenhar a minha função. Sou um autêntico dependente do meu Software de Ampliação para ler no meu computador. Para escrever tenho a vantagem de não precisar de olhar para o teclado. Não porque tenha tirado um curso de dactilografia mas porque fiz questão de insistir comigo próprio que o teclado é para ser usado sem olhar. Depois de tanto escrever, hoje fico admirado comigo próprio com a forma como o dedo actua de imediato quando penso numa letra. Fiz o mesmo com a leitura braille. Apesar de durante muitos anos ter mantido um resíduo de visão que me permitia ler, sempre insisti em ler braille com os dedos. Hoje, vejo que ambas as insistências valeram a pena. Costumo dizer que a peça mais importante num computador é o teclado. A destreza com o teclado tornou-se fundamental no uso do computador e o braille é o meu garante de poder continuar a ler mesmo sem recurso à visão. Não dispenso a minha leitura no autocarro que o faço em braille com a ajuda da minha linha portátil de 8 caracteres.

Na minha actividade actual vivo rodeado de tecnologia, mas não abdico do meu velho telescópio com o qual leio qualquer tipo de documento e com o qual chego mesmo a preencher alguns formulários.

O meu contacto com a tecnologia, nomeadamente com os computadores, é uma história com mais de 22 anos. Ela deve-se à minha curiosidade pelo tema e à do meu irmão. Foi aliás, o António que comprou lá para casa o primeiro computador. Último modelo, fantástico, teclado de membranas, altamente portátil e que se ligava a uma vulgar televisão, Passei várias horas de volta daquela memória de 1KB, enchendo-a com as mais variadas rotinas de programação e claro, a carregá-la dos mais variados jogos a partir de cassetes de 90 minutos que pirateava com uns amigos.

Com a queda acentuada da acuidade visual, deixei de poder usar aquela máquina de teclas de membrana. Mais uma vez o António actualizou-se, e adquiriu outra ainda mais fabulosa. Agora a cores e com 48KB de memória e umas teclas de borracha bastante interessantes ao tacto. Descobri nele um jogo de xadrez que falava. Achava-o bem interessante, principalmente aquando de uma jogada minha ele me respondia “I expect that”. O xadrez não era de facto o meu forte e nunca deixei de quase colar o nariz ao ecrã para me divertir com outro tipo de jogos, como futebol e ténis, e claro explorar as infindáveis listagens de programação. As dores nas costas derivadas das mais impróprias posturas levaram-me a pensar noutras soluções. Experimentei lupas de mão, réguas de leitura, lupas de relojoeiro, de reparador de TV mas estava difícil. Como teria sido útil ter naquela época um Software de Ampliação de caracteres.

Na época, o meu oftalmologista decidiu prescrever-me um telescópio para poder ver para o quadro da escola e para ver o letreiro do destino do autocarro. Sinceramente, nunca apanhei um autocarro com o auxílio do meu telescópio, apesar de ter feito "alto" a muitas carrinhas de colégio e mesmo camiões TIR, e na escola, entre pares, nunca o usei. No entanto, na privacidade da minha casa reparei o quanto ele era fantástico para ler. Tornou-se um imprescindível auxiliar na leitura em computador, na leitura de revistas, de livros, de jornais, para ver televisão, para configurar o videogravador, etc, etc.

Com os meus 18 anos, quase a entrar para a faculdade, fui seguramente o primeiro do meu bairro a ter um PC, ou melhor o António foi, pois ele tinha mudado para uma empresa de montagem de computadores, e conseguiu juntar um monte de peças e fazer um lá para casa. Com um ecrã de PC cor de tijolo fluorescente, que constituía um fantástico contraste para mim, um teclado QWERTY que me fazia recordar as máquinas de escrever que nunca usei, software de processamento de texto e folha de cálculo, era tudo o que um caloiro de gestão precisava para progredir nos estudos. Tudo... não. Quase tudo. Faltava-me a impressora, que o António trouxe passados poucos dias, pois ele precisava de imprimir umas coisas lá em casa. Ele…

No meu primeiro emprego na ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal), como assessor da Direcção Nacional onde passei 8 anos, a tecnologia foi uma constante. Vi surgir os primeiros sintetizadores de fala, as primeiras linhas braille, as primeiras impressoras, os primeiros leitores de ecrã, as primeiras lupas TV, os primeiros blocos de notas braille/ voz. O potencial desta tecnologia é inimaginável. Pensei eu.

Fui o primeiro a ter correio electrónico na instituição, a incentivar os colegas de outras delegações e departamentos a ter, o que só consegui volvidos dois anos. Fui o impulsionador e criador da primeira página Web da instituição e a criar a primeira lista de distribuição de informação electrónica aos associados da ACAPO.

O António só recentemente chegou ao correio electrónico.

Jorge Fernandes
http://www.acesso.umic.pcm.gov.pt

 

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  Depoimento de Manuel Matos

 


Sou Manuel Matos, doente neuromuscular com uma atrofia espinal infantil que, pelos dogmas da ciência, me devia ter matado entre os dois e os cinco anos. Presentemente, tenho 49. Sou licenciado em Filologia Germânica e professor do Ensino Secundário oficial desde o ano lectivo de 78/79, tendo exercido a minha profissão, como todos os meus colegas sem quaisquer limitações físicas, em diferentes estabelecimentos do mesmo ensino, a princípio, sem nenhuma descriminação positiva, a partir de 1983, se não me engano na data, já ao abrigo de um documento legal que permitia a transferência do docente colocado em escola inacessível por motivo de barreiras arquitectónicas e/ou de distância para uma outra onde pudesse leccionar. Nunca beneficiei, nem enquanto estudante, nem como professor, de nenhuma adaptação institucional que me auxiliasse, ajudado que sempre fui, e só, pelos meus pais. Não porque os meus próximos (colegas, superiores hierárquicos), na sua maioria, não fossem solidários, mas porque a lei não o previa (prevê).

A natureza destas doenças, todas elas sempre degenerativas e algumas, como a minha, profundamente devastadoras, foi-me conduzindo a uma imobilidade progressivamente descomunal, mas nada mais do que isso. Embora quase perfeitamente imobilizado (desde a perda de autonomia para me alimentar por volta dos 9-10 anos até à presente incapacidade de mastigar e engolir sólidos senão feitos em puré; desde o movimento de ascensão dos braços até às mãos e dedos completamente sem movimento, desde um quase nada com que nasci à apatia física em que me tornei – o meu corpo tudo sofreu), uma vertente da vida há que não me abandonou; a minha determinação de estar na Vida, a minha vontade.

À diminuição implacável das funções e capacidades físicas, não basta, contudo, nenhuma vontade, hercúlea que fosse, para a suplantar, e desde cedo me vi, como de uma terceira pessoa, dependente das facilitações técnicas, desde as simples talas para suporte das mãos que se deformaram até me impossibilitarem a escrita, aos apoios suspensos dos braços para que estes mantivessem o esboço de movimento que ora mantêm, à máquina de escrever electrónica que não fui capaz de utilizar durante mais de dois anos, até ao folheador de livros ou ao computador. Posso afirmar, sem receio de exageros, que, sem estas compensações, seria obrigado a um (desculpem o palavrão) ingente esforço de criatividade para dar o sentido que exijo, de mim, para a minha própria existência. Tanto mais quanto é certo que, dele, fazem parte substancial a leitura e a escrita muito para além da dimensão profissional.

É claro que a minha utilização do computador, que já vem desde finais dos anos 80 com os pré-históricos Sinclair, também passa por estratagemas de funcionamento, como uma placa móvel que me permita aproximar e afastar o teclado de mim, a progressiva necessidade de teclas menos pesadas, hoje, a quase absoluta substituição do teclado real pelo virtual, que acciono com um Touch Pad, e vamos lá ver o que mais, mas se, aos 49 anos, continuo a ser o que quero, em larga medida devo-o a este amigo.

Que ainda mais amigo se tornou com o surgimento da Internet e das possibilidades de comunicação que ela incrementou. Biblioteca quase universal, fornecedora de um correio rápido e eficiente, sirvo-me dela sem quaisquer cerimónias e com bom proveito. Desde ler o jornal a recolher textos e imagens para a minha actividade lectiva ou para auxiliar na informação muitas vezes necessária para elaborar o Boletim Informativo APN (da Associação Portuguesa de Doentes Neuromusculares) cuja direcção me foi confiada a partir do seu início até à interacção, ainda muito tímida, mas já com bons resultados, com alguns colegas de trabalho, a ela recorro diariamente. Sem estes apoios, sem muitos outros que não foram aqui mencionados, estaria reduzido a um mero processo de intenções.

Como a enorme maioria dos doentes neuromusculares que se encontram numa fase adiantada do seu ciclo de vida, dependo de uma incessante conjugação de esforços que, associada aos meus, me facultam a sobrevivência enquanto ser activo. Embora ainda não inteiramente, embora apesar do ainda tímido desenvolvimento de algumas áreas (nomeadamente, maior abrangência do reconhecimento por voz, desenvolvimento de teclados virtuais que trabalhem a duas mãos, por exemplo), sei que muito devo às Tecnologias da Informação. É meu desejo profundo que haja muito mais pessoas como eu a poderem dizer o mesmo.

Manuel Matos
http://www.apn.rcts.pt/

 

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  Depoimento de Sandra Estêvão Rodrigues

 


Devido a um Glaucoma congénito, que me permitia apenas uma visão aproximada a um décimo do que habitualmente se considera normal, tive necessidade, desde que comecei a ler até aos meus 17 anos, de recorrer a ampliações e de utilizar uma lupa manual bem pesadinha. Esta foi então a minha primeira Ajuda Técnica, que me acompanhou até ao final do Ensino Secundário e que me permitia devorar os muitos livros que ia buscar à biblioteca itinerante Gulbenkian.

Pelo mesmo motivo, a partir daquela idade, fiquei apenas com a visão da luz e de algumas cores. Assim, vi-me obrigada a guardar a minha velha e tão querida lupa e fiquei uns anos restrita a uma máquina de escrever braille e ao pouco material de leitura disponível neste método de escrita, a uma máquina de escrever tradicional, a um gravador e aos livros em cassetes áudio. Digo restrita porque outra coisa não poderia ser, conhecendo hoje as potencialidades do computador, que me está acessível graças a um programa de leitura de ecrã. Não posso esquecer o meu espanto quando pela primeira vez ouvi um sintetizador de voz e como fiquei incrédula face à possibilidade de algum dia entender aquela voz que me soava tão estranha. Agora é uma companhia familiar muito agradável.

Quando há oito anos comecei a utilizar o computador, estava longe de imaginar as suas virtudes. Naquela altura, trabalhava ainda no antigo e
esquecido MS-DOS e o programa Word Perfect pareceu-me já uma maravilha, comparado com o que até aí dispunha. Estava eu a terminar a minha Licenciatura em Psicologia e apreciei então a possibilidade de escrever o meu relatório de estágio, com as vantagens de um processador de texto. No entanto, a internet era ainda uma miragem.

Foi só três anos depois que comecei a utilizar as ferramentas disponíveis em ambiente Windows. É graças a esse fabuloso avanço que hoje posso desempenhar as minhas funções como coordenadora do Gabinete de Apoio ao Estudante com Deficiência da Universidade do Minho, no qual trabalho desde o meu estágio curricular.

Foi também graças a isso que hoje, aos 30 anos, terminei a minha dissertação de Mestrado. Só lamento não ter tido esta ferramenta de trabalho durante a Licenciatura. A que árduos trabalhos e a que dificuldades teria estado poupada!

Hoje, o computador é o objecto que mais prezo e que mais está presente no meu dia-a-dia. Não só por tudo o que já disse, mas também porque posso continuar a usufruir com maior amplitude do meu hobby favorito: a leitura.

Reconheço também a ajuda da minha linha braille, sobretudo quando se trata de participar em reuniões de trabalho ou de falar em público, já que a minha pouca rapidez de leitura em Braille faz-me preferir a voz sintetizada para as restantes tarefas.

Com o desenvolvimento das tecnologias que permitem o acesso de pessoas como eu ao computador, fica transposta uma das grandes barreiras no nosso acesso à informação e consequentemente ao mercado de trabalho. Mas, parece-me que está ainda por resolver outra barreira importante: as crenças e atitudes sobre a deficiência em geral, e sobre a cegueira em particular, que conduzem a uma tão grande resistência dos empregadores em dar oportunidades e em proporcionar desafios a quem sofre destas condições.

Felizmente, tenho um trabalho acessível e que me dá prazer. No entanto, a minha própria experiência e a de outros que comigo a têm partilhado, mostram-me como neste campo existe ainda muito a fazer.

Sandra Estêvão Rodrigues
http://www.lerparaver.com/amigos/sandra.html

 

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  Depoimento de João Henriques

 


O meu nome é João Henriques tenho 37 anos e sou tetraplégico devido a um acidente de viação.

Tenho o 7º ano unificado, mas após o acidente voltei a estudar contudo, e devido à falta de condições de Acessibilidade, vi-me obrigado a interromper os estudos. Mas como não sou pessoa de desistir fui tirar um Curso de Formação Profissional na ARCIL (Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã). O curso que frequentei de Operador de Informática teve duração de 3 anos. Englobava diversas áreas, tais como: Dactilografia; Equipamentos; Teoria Informática; Tratamento de Texto; Facturação; Contabilidade e Salários; Higiene e Segurança. Posteriormente fui voluntário na Rádio Clube da Lousã. Presentemente sou colaborador do Jornal Trevim onde faço artigos de opinião. Fui o primeiro repórter internacional da Rede Brasileira SACI (Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação) à qual presto, ainda, serviço voluntário frequentemente... o que me dá um imenso prazer!!!

O meu dia-a-dia é dedicado constante e incansavelmente a uma melhoria da Acessibilidade para que todos os cidadãos tenham direito à sua cidadania de uma forma igualitária. Este é o meu modo de vida e como me sinto útil. Para tal participo em diversas palestras como orador, acções de sensibilização tais como “Educação para a Acessibilidade”, participação em reuniões com órgãos da ARCIL e da Câmara Municipal da Lousã. Mas tudo isto começou quando eu escrevi um livro intitulado “ Projecto Lousã Acessível” a pedido do Presidente da Câmara da Lousã, pois este achou que eu seria a pessoa indicada para detectar as falhas de Acessibilidade no Município.

A minha “paixão” pela Internet levou-me a pesquisar assuntos relacionados com a acessibilidade aprofundando os meus conhecimentos e daí nasceu o site “www.euroacessibilidade.com” que já vai na sua segunda versão e que devido aos seus colaboradores e visitantes, sempre com uma palavra de incentivo me leva a crer que este site tem sido muito útil estando num caminho ascendente. Actualmente a última versão validada pelo W3C possibilita a consulta da informação contida neste site a um maior número de pessoas diminuindo o número de cidadãos excluídos. Tudo isto me faz sentir muito realizado tanto a mim como às pessoas que colaboram comigo.

Para levar a cabo toda esta actividade sinto-me “obrigado” a utilizar frequentemente as ferramentas de Acessibilidade disponíveis no Windows fazendo assim do computador o meu cavalo de batalha!!!

Mas como sou por natureza uma pessoa insatisfeita e como parar é morrer finalmente encontrei um projecto útil, num local acessível – o RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) que reconhece ao cidadão as competências adquiridas ao longo da vida e que permite obter um certificado do 9º ano de escolaridade. Ainda para estar mais actualizado resolvi inscrever-me num curso de “Competências Básicas em Tecnologias de Informação”, tudo isto em prol de um maior nível de conhecimento.

O ser humano é insaciável e insatisfeito por natureza portanto, como cidadão consciente, considero que a minha “missão” nunca estará cumprida por muito que eu me esforce, tal facto leva-me a continuar a “lutar” dia após dia, sempre com todas as minhas forças pelas causas que acredito.

João Henriques
http://www.euroacessibilidade.com

 

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