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Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Petição pela Acessibilidade da Internet Portuguesa

 

Relatório

1. A presente petição foi apresentada à Assembleia da República por cerca de 9.000 cidadãos, que propõem a adopção de um conjunto de regras básicas a aplicar na concepção da informação disponibilizada na Internet pelo Governo e demais serviços públicos, com o fim de facilitar o seu acesso a pessoas com necessidades especiais, designadamente pessoas com deficiências e idosos.

A petição foi ela própria apresentada através da Internet, por meio de uma mensagem de correio electrónico dirigida ao Gabinete de Sua Excelência o Presidente da República contendo em anexo o texto da petição e respectivos documentos complementares, bem como uma lista dos seus proponentes.

De acordo com a informação prestada pelos dois primeiros proponentes da petição, a recolha das subscrições foi igualmente feita através da Internet, tendo os interessados fornecido os dados pessoais julgados necessários para a verificação da autenticidade daquela subscrição, designadamente o seu nome, número de bilhete de identidade e endereço de correio electrónico.

Os dados pessoais assim fornecidos pelos subscritores foram inseridos numa base dados previamente registada na Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais, tendo-se então procedido à sua verificação e à eliminação de todas as subscrições duplicadas ou invalidas.

 

2. Sobre a forma de subscrição e entrega da petição foram suscitadas algumas dúvidas pelos serviços de apoio técnico desta Comissão, através de uma informação prestada em 16 de Março de 1999.

No essencial, aquelas dúvidas prendem-se com admissibilidade da substituição da assinatura dos proponentes pela mera indicação do seu nome e número de bilhete de identidade.

Com efeito, dispõe-se no artigo 9º/2 da Lei nº 43/90, de 10 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 6/93, de 1 de Março – Lei do Exercício do Direito de Petição – que a petição deve ser reduzida a escrito, devidamente assinada pelos seus titulares ou por outrém a seu rogo, se aqueles não puderem ou não souberem assinar.

Do mesmo modo se dispõe no artigo 249º/1 do Regimento da Assembleia da República, que regula a forma das petições perante si apresentadas.

A questão está portanto em saber se, não tendo a petição sido assinada pelos seus proponentes, no sentido próprio do termo, a mesma deveria ser rejeitada, ou em qualquer caso os seus subscritores convidados à procederem à sua correcção, mediante a apresentação da respectiva assinatura.

Tratando-se, no entanto, de um petição subscrita por um número elevado de cidadãos, e considerando que a recolha daquelas subscrições foi feita através da Internet, dificilmente a mesma poderia ser corrigida a tempo de poder ser apreciada na presente legislatura.

Excepto se se admitisse, como propõem os serviços de apoio à Comissão, que apenas os dois primeiros proponentes fossem convidados a assinar a petição, caso em que a petição seria admitida e apreciada exclusivamente pela Comissão por não reunir o número de assinaturas exigidos pelo Regimento para a sua subida ao Plenário.

 

3. As dúvidas suscitadas pelos serviços de apoio à Comissão são pertinentes, mas não as acompanhamos inteiramente.

Se é certo que a letra da lei não dá grande margem de liberdade à qualificação da forma de subscrição desta petição como verdadeira e própria assinatura, designadamente por não estar ainda regulada na nossa ordem jurídica, como já deveria estar, o valor da assinatura electrónica, não é menos verdade que o seu espírito é o de salvaguardar a autenticidade da manifestação de vontade que aquela subscrição encerra.

E nessa matéria não temos dúvidas do carácter genuíno da vontade manifestada pela generalidade dos proponentes da petição, e muito menos ainda da manifestada pelos dois primeiros de entre aqueles, que para além de estarem devidamente identificados mantiveram diversos contactos com membros desta Comissão, incluindo o ora Relator.

Aliás, o Relator foi directamente contactado, por correio electrónico, por centenas de subscritores da petição, instando maior urgência na sua apreciação e resolução, o que não deixa qualquer margem de dúvidas sobre a autenticidade da sua vontade.

Dado que neste momento já não se põe o problema da sua subida a Plenário, por manifesta indisponibilidade de agenda até ao termo da presente legislatura, seria excessivo interpretar as disposições legais e regimentais aplicáveis em sentido que inviabilizasse a apreciação da petição pela Comissão, ou que retardassem excessivamente essa apreciação.

Para além de a comunicação digital ser uma realidade nova, com a qual não se contava plenamente à data em que aquelas disposições legais e regimentais foram aprovadas, sempre se poderia invocar, por analogia, o príncipio "pro actione", segundo o qual as formalidades são instituídas pela lei para assegurar a correcta tramitação do pedido, e não como entraves à sua apreciação e decisão. Acresce que, recentemente, o Decreto-Lei nº 135/99, de 24 Abril, veio garantir a possibilidade de uso do correio electrónico para comunicação com serviços públicos.

Daí que se considerem estarem reunidas as condições indispensáveis à apreciação da presente petição por esta Comissão.

Aliás, a apresentação desta petição, pela forma como se processou, é ela própria uma manifestação significativa da nascente democracia electrónica, e não é possível ignorar o acréscimo de participação cívica que resulta da utilização dos novos meios de comunicação, designadamente a Internet.

Pelo contrário, esta petição deve merecer a reflexão da Assembleia da República e dos demais órgãos de soberania, por forma a permitir que de futuro os seus procedimentos sejam adequados às novas realidades tecnológicas da sociedade de informação.

 

4. As considerações feitas a propósito da admissibilidade da presente petição deixam antever a importância dos objectivos que a mesma se propõe alcançar, atenta a dimensão democrática que está subjacente à utilização dos novos meios de comunicação.

Do que se trata, afinal, é de garantir a igualdade de acesso à informação que hoje é disponibilizada através da Internet a todas as pessoas com necessidades especiais, com particular ênfase nas pessoas com deficiência e nos idosos.

De acordo com os subscritores da presente petição, devem ser adoptadas pelo Governo e pelos serviços públicos que disponibilizam informação na Internet regras que garantam aquela acessibilidade independentemente da situação concreta em que se encontre cada utilizador, bem como um conjunto de símbolos que permitam identificar um servidor de informação compatível com aquelas regras.

Aquelas regras deveriam permitir:

  1. a interacção com os sistemas de informação sem exigir a visão, dispositivos apontadores, movimentos precisos ou acções simultâneas;
  2. a compreensão da informação e navegação através de meios auditivos ou visuais.

Significa isto que, por aplicação das referidas regras, o acesso e a interacção com a Internet, pelo menos no que respeita ao conteúdo essencial da informação ali disponibilizada pelo Governo e outras entidades públicas, seria independente ou redundante na sua modalidade sensorial e de manipulação, dado que a mesma poderia ser, consoante os casos e os diferentes dispositivos técnicos utilizados, visionada, convertida em fala ou em braille, ou pelo menos impressa para posterior consulta em condições mais favoráveis.

Ou seja, as deficiências visuais, auditivas, motoras ou de qualquer outra natureza deixariam de constituir um obstáculo à apreensão do conteúdo essencial da informação disponibilizada, que assim passaria a estar acessível com carácter universal.

Trata-se, portanto, de uma outra perspectiva sobre o delicado problema da info-exclusão, que atende não tanto às limitações impostas pelas condições económicas ou sociais dos cidadãos, designadamente as inerentes ao custo dos equipamentos e dos serviços de telecomunicações, mas às limitações impostas pela sua condição física e relacionadas com a forma como é concebida e disponibilizada a informação de carácter público.

 

5. Sendo inovadora na sua forma e no seu conteúdo, a presente petição não ignora os esforços que a outros níveis tem sido desenvolvidos para enfrentar o mesmo problema, seja a nível internacional, como a "Web Accessibility Initiave" promovida pelo World Wide Web Consortium (W3C), ou mesmo a "Iniciativa Nacional para os Cidadãos com Necessidades Especiais" promovida pelo Governo através da Missão para a Sociedade de Informação.

De certa forma, até, as propostas formuladas nesta petição são tributárias dos mesmos princípios que estão na base da legislação já existente em matéria de eliminação de barreiras físicas às pessoas com deficiência, designadamente o Decreto-Lei nº 123/97, de 22 de Maio, recentemente aprovado pelo Governo, e que torna obrigatória a adopção de um conjunto de normas técnicas básicas de eliminação de barreiras arquitectónicas em edifícios públicos, equipamentos colectivos e via pública para melhoria da acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada.

Na verdade, as barreiras digitais de que agora estamos a tratar são apenas uma outra dimensão do mesmo problema de acessibilidade aos serviços públicos das pessoas com necessidades especiais, e que merece por isso uma adequada ponderação.

Nessa perspectiva, a Assembleia da República, através da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, não se pode dissociar dos propósitos da presente petição, sobretudo tratando-se de matéria que releva directamente para a promoção do princípio da igualdade e para a plena integração das pessoas com deficiências na vida em sociedade.

 

6. Não nos compete, nesta sede, pronunciarmos sobre o mérito das regras que em concreto são propostas no "Guia de Acessibilidade" apresentado pelos subscritores da petição.

Aquelas regras situam-se no domínio estrito da técnica, para o qual a lei pode remeter mas que em si mesmo lhe é estranho, sobretudo em casos como este, em que o ritmo da evolução tecnológica não aconselha a cristalização na lei de soluções que, por definição, são flexíveis e adaptáveis às circunstâncias de cada caso concreto.

Aliás, mesmo que existissem razões para considerar que nesta matéria a lei deve ir além da enunciação dos grandes princípios a que já nos referimos, sempre concluiríamos estar no domínio reservado da competência legislativa do Governo, já que os procedimentos a adoptar na concepção da informação a disponibilizar pelos serviços públicos que dele dependem constitui indubitavelmente matéria da sua própria organização e funcionamento (artº 198º/2 CRP).

Nada impede, no entanto, que a Assembleia da República, por intermédio desta Comissão, exerça a sua função de representação, e que manifeste o seu empenho em que o Governo venha a adoptar, no mais curto espaço de tempo possível, regras que garantam a plena acessibilidade da informação por si produzida e disponibilizada na Internet às pessoas com necessidades especiais, designadamente pessoas com deficiências e idosos.

Do mesmo modo, nada impede que a Assembleia da República se disponha, ela própria, a rever os seus procedimentos e a garantir a plena acessibilidade da informação por si produzida e disponibilizada na Internet.

Assim, propõe-se que seja adoptado o seguinte:

Parecer

A Assembleia da República, através da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, considera que a plena acessibilidade da informação produzida e disponibilizada pelo Governo e demais serviços públicos na Internet é uma condição indispensável à promoção da universalidade e igualdade no exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente os relativos à sua participação na vida pública;

Neste sentido,

Recomenda-se ao Governo que, ponderadas as sugestões constantes da presente petição, e no mais curto espaço de tempo possível, adopte as medidas necessárias e adequadas a garantir a plena acessibilidade daquela informação a todos os cidadãos com necessidades especiais, em particular as pessoas com deficiências e os idosos.

Do mesmo modo,

A Assembleia da República deverá avaliar a forma como é concebida a informação por si produzida e disponibilizada na Internet, por forma a que, também no mais curto espaço de tempo possível, venham a ser tomadas medidas que garantam que o conteúdo essencial daquela informação é acessível em condições de plena igualdade pelos cidadãos com necessidades especiais, em particular as pessoas com deficiências e os idosos.

 

O Presidente da Comissão
(Alberto Martins)

O Deputado Relator
(Claudio Monteiro)

Palácio de São Bento, aos 30 de Junho de 1999