Adaptação Curricular

Elaborado por:
Rosana Glat [1]
Eloíza da Silva Gomes de Oliveira [2]

Relatório em formato PDF

Introdução [3]

No processo de redemocratização do Brasil, sobretudo, a partir da metade dos anos 80 as discussões sobre os direitos sociais que precederam a Constituinte, enfatizaram as reivindicações populares e as demandas de grupos ou categorias até então excluídos dos espaços sociais, e neste movimento tomou vulto a luta pela ampliação do acesso e da qualidade na educação das pessoas com deficiência (Fernandes, 1998; Ferreira e Glat, 2003; Glat, 1995; Glat e Nogueira, 2002, entre outros).

Na Constituição de 1988, foram aprovados vários dispositivos referentes aos direitos das pessoas com deficiência, tanto na educação como em outras áreas, sendo que na Educação, destaca-se o Inciso III, do Artigo 208, que define como dever do Estado “o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente[4] na rede regular de ensino”.

As constituições estaduais subseqüentes, e as leis orgânicas de alguns municípios[5] incorporaram o dispositivo constitucional e, em alguns casos, o complementaram. Outros importantes documentos legais pós-constituição, como a Lei nº 7.853/89, chamada “Lei da Integração”, e o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), de 1990, reafirmaram o direito à Educação e a noção de integração social. O Decreto nº 3298 de 1999 (que regulamentou a Lei nº 7853/89), prevê a opção pelas escolas especializadas “exclusivamente quando a educação das escolas comuns não puder satisfazer as necessidades educativas ou sociais do aluno ou quando necessário ao bem-estar do educando” (Ferreira & Glat, 2003).

Mas foi a partir da A partir da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) onde foram preconizadas as diretrizes da Educação Para Todos, que tomaram força as discussões acerca da Escola Inclusiva. Esta proposta foi respaldada na Lei nº 9.394/96 – de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que define como dever do Estado o “atendimento educacional especializado aos educandos com necessidades especiais[6] , preferencialmente na rede regular de ensino” ( Artigo n° 4, III), norteando as políticas educacionais desde então, e oferecendo a base legal para a propagação da Educação Inclusiva, e as ações que se seguiram.

Ressaltamos que o conceito de Escola Inclusiva conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Especial (MEC/SEESP, 1998),

…implica uma nova postura da escola comum, que propõe no projeto político pedagógico, no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação e na atitude dos educandos, ações que favoreçam a integração social e sua opção por práticas heterogenias. A escola capacita seus professores, prepara-se, organiza-se e adapta-se para oferecer educação de qualidade para todos, inclusive, para os educandos com necessidades especiais.....Inclusão, portanto, não significa, simplesmente matricular os educandos com necessidades especiais na classe comum, ignorando suas necessidades específicas, mas significa dar ao professor e à escola o suporte necessário à sua ação pedagógica (grifo nosso).

Ou seja, a Educação Especial já não é mais concebida como um sistema educacional paralelo ou segregado, mas como um conjunto de medidas que a escola regular põe ao serviço de uma resposta adaptada à diversidade dos alunos.


Neste contexto, a instituição escolar passa a ser alvo de questionamentos e de conflitos, provavelmente, por expor a diversidade e o compartilhamento de interesses, contradições, expectativas e identidades. Muitas são as ansiedades que movimentam as transformações em busca do que se julga ser o ideal, correspondendo às necessidades específicas de todos.

Assim, no Brasil, a necessidade de se pensar um currículo para a escola inclusiva foi oficializada a partir das medidas desenvolvidas junto à Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação com a criação dos Parâmetros Curriculares[7] Nacionais. Neste documento explicita-se o conceito de adaptações curriculares, consideradas como:

…estratégias e critérios de atuação docente, admitindo decisões que oportunizam adequar a ação educativa escolar às maneiras peculiares de aprendizagem dos alunos, considerando que o processo de ensino-aprendizagem pressupõe atender à diversificação de necessidades dos alunos na escola (MEC/SEESP/SEB, 1998, p. 15).

De modo geral, pode-se falar em dois tipos de adaptações curriculares, as chamadas adaptações de acessibilidade ao currículo e as adaptações pedagógicas (SME-RJ, 1996). As primeiras se referem à eliminação de barreiras arquitetônicas e metodológicas, sendo pré-requisito para que o aluno possa freqüentar a escola regular com autonomia, participando das atividades acadêmicas propostas para os demais alunos. Estas incluem as “condições físicas, materiais e de comunicação”, como por exemplo, rampas de acesso e banheiros adaptados, apoio de intérpretes de LIBRAS e / ou capacitação do professor e demais colegas, transcrição de textos para Braille e outros recursos pedagógicos adaptados para deficientes visuais, uso de comunicação alternativa com alunos com paralisia cerebral ou dificuldades de expressão oral, etc...

As adaptações curriculares, propriamente ditas, objeto das discussões apresentadas no presente relatório, são modificações do planejamento, objetivos, atividades e formas de avaliação, no currículo como um todo, ou em aspectos dele, para acomodar os alunos com necessidades especiais.

A realização de adaptações curriculares é o caminho para o atendimento às necessidades específicas de aprendizagem dos alunos. No entanto, identificar essas “necessidades” requer que os sistemas educacionais modifiquem não apenas as suas atitudes e expectativas em relação a esses alunos, mas que se organizem para construir uma real escola para todos, que dê conta dessas especificidades.

Vale ressaltar que, currículo, conforme MacLaren (1998),

…representa muito mais do que um programa de estudos, um texto em sala de aula ou o vocabulário de um curso. Mais do que isso, ele representa a introdução de uma forma particular de vida; ele serve, em parte, para preparar os estudantes para posições dominantes ou subordinadas na sociedade existente. O currículo favorece certas formas de conhecimento sobre outras e afirma os sonhos, desejos e valores de grupos seletos de estudantes sobre outros grupos, com freqüência discriminando certos grupos raciais, de classe ou gênero (p. 116).

A inclusão de alunos com necessidades especiais na classe regular implica o desenvolvimento de ações adaptativas, visando à flexibilização do currículo, para que ele possa ser desenvolvido de maneira efetiva em sala de aula, e atender as necessidades individuais de todos os alunos. De acordo com o MEC/SEESP/SEB (1998), essas adaptações curriculares realizam-se em três níveis:

A Educação Inclusiva, entendida sob a dimensão curricular, significa que o aluno com necessidades especiais deve fazer parte da classe regular, aprendendo as mesmas coisas que os outros – mesmo que de modos diferentes – cabendo ao professor fazer as necessárias adaptações (UNESCO, s/d). Essa proposta difere das práticas tradicionais da Educação “Especial” que, ao enfatizar o déficit do aluno, acarretam a construção de um currículo empobrecido, desvinculado da realidade afetivo-social do aluno e da sua idade cronológica, com planejamento difuso e um sistema de avaliação precário e indefinido.

A implementação da Educação Inclusiva não é tarefa fácil, pois o professor terá que garantir o aprendizado de alunos com necessidades educacionais diversas dos demais, no contexto de suas atividades rotineiras e do planejamento para a turma com um todo. Transversaliza este documento, portanto, a idéia de uma educação inclusiva plena, que não entre na escola às escondidas, em função da resistência encontrada por parte dos educadores. Ela será facilmente compreendida no conceito de currículo, nas experiências relatadas e no grande desafio encontrado nas instituições educativas: a avaliação.

Em texto em que refletem sobre o currículo para a formação de educadores para uma Educação verdadeiramente inclusiva, Oliveira e Costa (2002) afirmam que nas questões referentes ao currículo,

...sentimos o escorregadio da incerteza, percebemos a tonalidade da incompletude. Não há respostas fechadas quanto à dicotomia entre as perspectivas de inclusão e a manutenção das “identidades coartadas” pela exclusão diária e contumaz. Não se constrói um currículo de forma apriorística, através de planilhas rígidas e objetivos estereotipados. Ele é vivo, produto de uma construção coletiva, vivenciado no cotidiano da Educação.

Partindo deste referencial, apresentaremos, nas páginas que se seguem, o relatório das discussões sobre currículo inclusivo, realizadas durante o Seminário “Educação Inclusiva no Brasil: Diagnóstico Atual e Desafios para o Futuro” promovido pelo Banco Mundial em parceria com a Secretaria de Educação da Cidade do Rio de Janeiro / Instituto Helena Antipoff, e da discussão sobre Educação Inclusiva que se seguiu durante a semana de 21 a 15 de Abril de 2003, pela Internet, também coordenado pelo Banco Mundial.

Seminário “Educação Inclusiva no Brasil: Diagnóstico atual e Desafios para o futuro” – Currículo [8]

Processo de Discussão

O grupo de trabalho que discutiu a Educação Inclusiva sob o ângulo do currículo durante o Seminário "Educação Inclusiva no Brasil – Diagnóstico Atual e Desafios para o Futuro” era composto por 15 membros[9], oriundos de sete estados (regiões norte e sudeste) e do Distrito Federal. Foi um grupo diversificado, porém harmônico, formado por profissionais que atuavam em diversas posições: gestores e técnicos de Educação Especial de secretarias estaduais e municipais de Educação, técnicos do Ministério de Educação e de uma agência internacional, e professores universitários.

As discussões foram bastante dinâmicas, embora o grupo tivesse alguma dificuldade em focalizar no seu tema específico. Foi avaliado que esse entrave deveu-se ao fato de que os estudos de caso apresentados fizeram muito pouca referência ao aspecto curricular e ao cotidiano de sala de aula, não fornecendo, assim, base para discussão. O grupo apresentou para o segundo dia uma proposta de que os casos apresentados focalizassem em cada um dos seis temas de debate do Seminário, porém esse objetivo não foi alcançado.

A mudança de metodologia proposta pelos coordenadores para a tarde do segundo dia não agradou à maioria dos participantes que consideraram que teria sido mais produtivo continuar com a discussão interna no âmbito do grupo, embora apenas dois tenham se manifestado contrários a esta dinâmica na plenária.

Síntese da Discussão

Tomando como ponto de partida para a discussão os relatos de experiências apresentadas, o grupo apontou alguns aspectos prioritários que devem ser levados em consideração numa análise da Educação Inclusiva sobre a dimensão curricular, que tentaremos sintetizar abaixo. Vale ressaltar que, devido à metodologia adotada na tarde do segundo dia, não houve possibilidade de se fazer em grupo a síntese da discussão, como estava planejado. Logo, o relato abaixo é de única responsabilidade da coordenadora, sendo baseado em anotações que feitas durante as discussões, e nos escritos entregues pelos integrantes do grupo . A seguir, apresentaremos os aspectos identificados pelo grupo[10] como prioritários na organização e elaboração de um currículo para uma Educação Inclusiva.

Respeito à Diversidade e Singularidade dos Alunos

Um currículo que leve em conta a diversidade deve ser, antes de tudo, flexível, e passível de adaptações, sem perda de conteúdo. Deve ser desenhado tendo como objetivo geral a “redução de barreiras atitudinais e conceituais”, e se pautar em uma “resignificação do processo de aprendizagem na sua relação com o desenvolvimento humano”.

Não se trata apenas de pequenas modificações pontuais que o professor venha a fazer em termos de métodos e conteúdos. Pelo contrário, implica, sobretudo na “re-organização do projeto político pedagógico” de cada escola e do sistema escolar com um todo, levando em consideração “as adaptações necessárias para a inclusão e participação efetiva de alunos com necessidades especiais em todas as atividades escolares”.

Adaptações ou Re-organizações Curriculares

Foram discutidos os dois tipos de adaptações que se fazem necessárias para inclusão de alunos com necessidades especiais em classes regulares: as adaptações de acesso ao currículo (eliminação de barreiras arquitetônicas e metodológicas), e as adaptações pedagógicas (ou curriculares, propriamente ditas). Sobre a dimensão da acessibilidade, ficou destacado que “acessibilidade e permanência na escola não garantem apropriação de conhecimento e qualidade de ensino”. Em diversos pontos da discussão foram feitas severas críticas a formas aligeiradas em que classes especiais foram fechadas e os alunos “jogados” no ensino regular sem uma preparação pedagógica do professor e adaptações no currículo. A preocupação do grupo foi de que uma “mera inclusão física do aluno com deficiência, como vem acontecendo em muitos sistemas escolares do Brasil, resulte em uma exclusão na escola”, implicando no fracasso, e, provavelmente, evasão escolar deste aluno.

Como ensinar ao aluno com deficiência junto com os demais é o grande nó e desafio da Educação Inclusiva”, pois é neste aspecto que a inclusão deixa de ser uma filosofia, uma ideologia ou uma política, e se torna ação concreta em situações reais envolvendo indivíduos com dificuldades e necessidades específicas. Pois, pelo menos em nosso país, a inclusão que se almeja ocorrerá em um contexto de uma escola deficitária e em muitos casos “falida” (as estatísticas de repetência, fracasso e evasão escolar mostram que o problema não atinge apenas os chamados alunos com necessidades especiais)[11], um professor que não foi formado para lidar com a diversidade, e alunos com grandes dificuldades de aprendizagem devido a deficiências reais sensoriais, intelectuais, psicológicas e/ou motoras, sem contar as sócio-econômicas e culturais.

A dificuldade de implementação desse modelo, sobretudo, no caso de alunos com graves distúrbios de conduta, déficits cognitivos e /ou de comunicação, foi também realçada nas discussões do grupo. Conforme se expressou um componente, “não estamos falando de alunos inteligentes que foram colocados em escolas especiais porque tinham deficiências físicas, ou de alunos limítrofes com problemas simples de aprendizagem, e sim de alunos que são difíceis de ensinar pelos melhores professores nas melhores escolas”!

Outro ponto destacado foi o fato de que nenhuma das experiências relatadas desceu ao nível do cotidiano escolar, ficando os exemplos no âmbito das políticas ou mostrando alunos incluídos em situações sociais. O grupo considerou que “essa omissão em si, já é um dado significativo; ou seja, por que será que nenhum dos estudos de caso privilegiou as ações que a professora da classe regular faz para incluir esse aluno na sua forma de dar aula?” Considerou-se, que isso ocorria, justamente, por ser esta a grande dificuldade. Nas palavras de um dos integrantes: ”o ensino especial foi criado porque não se sabíamos como ensinar essas crianças junto com as demais, e até agora parece que ainda não sabemos”!

Uma das conclusões consensuais do grupo é que “inclusão escolar não é o mesmo que inclusão social”. A escola inclusiva “é a que propicia ao aluno com necessidades especiais, a apropriação do conhecimento escolar, junto com os demais. Se essa dimensão for minimizada ou mascarada, “o aluno acabará aprendendo menos que no sistema especial, mesmo que socialmente ele se desenvolva e amplie seus horizontes”.

Professor da Classe Regular “Acolhedor”, Capacitado e Apoiado

Para que haja que a inclusão escolar seja real o professor da classe regular deve estar sensibilizado e capacitado (tanto psicológica quanto intelectualmente) para “mudar sua forma de ensinar e adaptar o que vai ensinar” para atender às necessidades de todos os alunos, inclusive de alguns que tenham maiores dificuldades.

Embora o tema do grupo não tenha sido, propriamente, a formação de professores, passamos muito tempo falando sobre isso, porque não se pode discutir currículo sem discutir a formação do professor. Sob esse aspecto, considerou-se que “estamos na situação de resolver reformar o avião em pleno vôo”, pois não se pode fechar as escolas para reciclar os professores, mas “os alunos com deficiências estão chegando hoje na sala regular, e a maioria esmagadora dos professores não sabe o que fazer com eles”.

Os cursos ou programas de formação e capacitação docente ao mesmo tempo em precisam dar condições efetivas para que o professor trabalhe de imediato com seus alunos, “não podem ser uma capacitação voltada apenas para questões pontuais (tipo receita-de-bolo) e sim proporcionar aprofundamento teórico-metodológico” (que a maioria dos professores tanto do ensino regular quanto especial, não tem) “que lhe permita se transformar em um “professor que possa refletir e re-significar sua pratica pedagógica para atender à diversidade do seu alunado”.

Foi considerado como ação prioritária formação a capacitação de professores visando a reorganização didática-curricular, “com ênfase nas relações pedagógicas bem como afetivas que se estabelecem na sala de aula”. Também houve consenso de que esta formação tem que ser contínua, incluindo troca de experiência e intercâmbio externo (como o presente Seminário, por exemplo), bem como atividades capacitadoras na própria escola (formação em serviço) sob forma de centros de estudo e discussão de casos, supervisão, etc. Foi ressaltada a importância de que o professor tenha “tempo para planejar, analisar e pesquisar sobre sua prática”, tendo sido muito apreciado um depoimento de um município em que foi aumentado o número de professores por escola para permitir esse espaço de reflexão ao professor, sem prejuízo aos alunos.

Porém, essa transformação do papel e atividades do professor só pode ser alcançada com o envolvimento dos gestores ou lideranças tanto da própria escola quanto do sistema escolar. Embora também não fosse o tema do nosso grupo, falou-se muito na importância do apoio das Secretarias de Educação tanto a nível municipal como estadual: “inclusão só acontece quando há suporte de recursos materiais e humanos das secretarias, seja municipal ou estadual”. Foram citados casos em que as Secretarias de Educação ignoram a Educação Especial considerando-a como um sistema à parte de ensino, e única responsável (junto com as associações filantrópicas) pelos alunos com deficiência; enquanto a maioria dos municípios brasileiros não dispõe de um setor e / ou profissionais de Educação Especial que possa dar suporte às escolas que se disponham a aceitar esses alunos.

Ainda relacionado a este aspecto foi visto que para o sucesso de uma proposta de Educação Inclusiva é fator determinante um sistema de apoio para lidar com “as necessidades especiais não só do aluno, mas também do professor da classe regular”. Este sistema de suporte deve estar disponível na própria escola com profissionais capacitados em educação inclusiva.

Consideramos este ponto da maior relevância, pois para que haja aproveitamento acadêmico de alunos com deficiências incluídos em classes regulares precisamos formar um novo tipo de educador. Como lembra Bueno (1999), de um lado os professores do ensino regular não possuem preparo mínimo para trabalhar com crianças que apresentem deficiências evidentes e, por outro, grande parte dos professores do ensino especial tem muito pouco a contribuir com o trabalho pedagógico desenvolvido no ensino regular, na medida em que têm calcado e construído sua competência nas dificuldades específicas do alunado que atendem.

Concordamos com essa visão, já que todos nós, profissionais de Educação Especial, e que hoje lutamos por uma escola inclusiva, fomos formados na perspectiva de um modelo médico que visava compensar as deficiências do aluno, tendo as classes especiais sua dinâmica e racionalidade própria, na sua maioria estruturada sem um planejamento acadêmico consistente, e mesmo quando inseridas numa escola regular, sua proposta era desviculada do projeto político pedagógico da mesma. Logo, temos, de fato, pouca experiência em lidar com nossos alunos, ditos especiais, junto com uma turma grande de alunos que, embora, considerados normais, também têm inúmeras necessidades educativas.

Para que possa se transformar o currículo tradicional em um “currículo inclusivo” faz-se necessário se repensar a prática pedagógica dos professores em geral. A mudança de paradigma que a inclusão traz em relação ao modelo de integração é em vez do aluno com deficiência se adaptar ao sistema, a escola regular como um todo, incluindo, sobretudo, os professores – principais atores desse processo – tem que se transformar.

Ficou claro em nossas discussões, que inclusão não pode ser responsabilidade única da Educação Especial. Não é uma simples questão do professor de Educação Especial ditar ao professor da classe regular como trabalhar com esse aluno. Se não for desenvolvida uma dinâmica de trabalho integrado, “estaremos criando um sistema especial dentro da escola regular, o que não é Educação Inclusiva”. Por exemplo, o apoio pedagógico individual aos alunos com deficiência em horários alternativos, como mostrado em alguns relatos, não pode se tornar uma nova “sala de recursos” que substitui a aprendizagem na sala regular, pois é justamente isso que faliu o modelo de integração. Da mesma forma, o professor de apoio na sala de aula não pode ser um professor particular para aquele aluno que explica a matéria para ele, enquanto a professora regente dá aula para o resto da turma.

Uma sugestão trazida no grupo foi a realização de seminários inclusivos com professores de classe regulares e de Educação Especial com o objetivo de começar a construir essa nova prática pedagógica, pois “inclusão não acontecerá enquanto continuarmos falando para nós mesmos!”.

Avaliação Contínua, Institucional e Pedagógica do Processo e do “Produto” da Aprendizagem

Este foi o último aspecto levantado pelo grupo como indispensável para se pensar no currículo da escola inclusiva. A ausência de critérios e métodos de avaliação da aprendizagem é dos problemas que herdamos do modelo segregado de Educação Especial. Todos concordaram que há necessidade urgente de “indicadores claramente definidos, a partir do projeto político pedagógico da escola e do planejamento curricular do professor, para monitorar o processo de aprendizagem e apropriação de conhecimento dos alunos”.

Também chamou atenção do grupo que nenhuma das experiências relatadas sequer tocou na questão da avaliação; foi proposto que esse seja um dos eixos temáticos de aprofundamento e discussão em próximos encontros.

Segundo a visão do grupo, uma escola que se propõe inclusiva necessita ter uma “definição operacional do processo de avaliação escolar do aluno com necessidades especiais sob a mesma perspectiva ou modelo, mesmo que haja necessidade de flexibilização de alguns critérios, utilizada para os demais alunos”.

Foi também acordado que “não se pode apenas expressar avaliação em termos de adjetivos ou demonstração de situações curriculares nas áreas de artes e recreação / socialização”. A “avaliação no currículo inclusivo deve ser flexível, porém objetiva”. O grupo mostrou bastante preocupação com modelos de aprovação automática ou “facilitada”, pois “se o aluno com deficiência acabar passando de série sem ter os necessários conhecimentos” estaremos reproduzindo os mesmos problemas do ensino especial. Foi assinalado que um dos fatores que impulsionou a busca de um novo modelo educacional foi justamente a falência do ensino especial em fazer com que alunos com deficiências, mesmo após anos de permanência na escola, alcançassem um nível de escolaridade e conhecimento compatíveis com o esforço desprendido. “Se o ensino especial tivesse sido bem sucedido, talvez não estivéssemos propondo um novo modelo de atendimento escolar para esses alunos!”

Finalizando, o grupo ressaltou a importância do desenvolvimento de estudos e pesquisas de avaliação das experiências de inclusão, tanto acadêmicos formais, como, principalmente, realizados pelos professores na própria escola, que apresentem fontes de dados sobre as trajetórias escolares de alunos com necessidades especiais em classes regulares, bem como o processo de inclusão na escola como um todo. Pois, só assim, seremos capazes de aprimorar nossa prática e saindo do empirismo tipo ensaio e erro, e chegar, talvez, não a um modelo único para o Brasil, mas pelo menos, a diretrizes gerais que orientem escolas que estejam ingressando nesse novo modelo.

Como sugestão para futuros encontros destacou-se a continuidade da divulgação para estudo de experiências de inclusão, como as apresentadas aqui, porém aprofundando o cotidiano da sala de aula.

Grupo de Discussão Pela Internet – Currículo para Educação Inclusiva [12]

Processo de Discussão

A discussão pela Internet sobre Educação Inclusiva realizada na semana de 21 a 25 de Abril de 2003 teve como foco a dimensão curricular e pedagógica do processo de inclusão educacional. Foi um debate bastante rico, com a participação ativa de mais de 40 pessoas, oriundas de diversos estados do Brasil e de outros países como Portugal, Argentina, Moçambique, entre outros.

Pelo que pode ser inferido, os participantes falavam a partir de diferentes perspectivas, posicionamentos políticos e referenciais teóricos. Eram profissionais e técnicos da área de Educação Especial e da Educação de modo geral; professores universitários e pesquisadores; estudantes; dirigentes de órgãos de gestão educacional estaduais, municipais e do Governo Federal; familiares e /ou pessoas com necessidades especiais.

As colocações dos participantes também variaram em teor e forma, mantendo, no entanto, uma dinâmica interação dialógica. Tivemos discussões sobre pontos teóricos e posicionamentos frente às alternativas de implementação da proposta de inclusão, informes, trocas de interesse individual, sugestões para desmembramento do debate, relatos de experiências, etc.

Para organizar o desenvolvimento da discussão apresentamos três questões norteadoras, que foram aceitas pelo grupo, e trabalhadas seqüencialmente no decorrer da semana:

  1. Dimensões de um currículo que contemple a Educação Inclusiva.
  2. Cotidiano da Educação Inclusiva na realidade e no cotidiano da escola no Brasil.
  3. Avaliação institucional e da aprendizagem no paradigma da escola inclusiva

Síntese da Discussão

Apresentamos, a seguir, a síntese das intervenções dos participantes do grupo, em resposta a cada uma das questões propostas.

Dimensões de um Currículo que contemple a Educação inclusiva

Conceito de Currículo

Mais do que programas, listas de conteúdos e de atividades, o currículo é o desenvolvimento de formas de pensar, de perceber o mundo, de viver. Implica na preparação do indivíduo para a sociedade existente, para posições de domínio ou de submissão, para a assunção de posições críticas ou alienadas em relação à realidade, para a vivência plena ou apenas parcial da cidadania.

As perspectivas conceitual e filosófica de Educação que regem o currículo, definem o cotidiano escolar e as suas decorrências. Na nossa discussão, preocupada com a diversidade e a com a inclusão, o referencial curricular apontado foi o do Multiculturalismo Crítico, com a citação de autores como Mc Laren e das perspectivas construtivistas – Vygotsky e Piaget – de Bruner e de Perrenoud, entre outros.

De acordo com esta perspectiva, o currículo não trabalha só com o conhecimento, mas com a cultura, a identidade e a subjetividade. Elaborar currículos é tomar decisões sobre os saberes que serão considerados, valorizados e transmitidos pela escola. É também decidir quanto à criação ou não de grupos excluídos e culturas negadas pela escola. A perspectiva multicultural faz com que o currículo se comprometa com o ensino de qualidade e com a perspectiva de acolhimento e respeito às diversidades.

Os Responsáveis pelo Currículo

Não são apenas os profissionais da Educação os responsáveis pelo currículo. Há saberes fundamentais que estão na área de conhecimento dos especialistas, mas há outros que vêm da comunidade interna e externa à escola e dos próprios alunos, e que podem aprimorar extraordinariamente o currículo. Assim, ele precisa ser democrático, abrangente e inclusivo, para atender às singularidades do alunado – não apenas às chamadas necessidades educativas especiais, mas às necessidades individuais dos que transitam no espaço escolar.

O Conceito de Inclusão como Estrurante do Currículo

O grupo falou exaustivamente de inclusão, destacando que ela significa que, quando existe verdadeiramente, a sociedade se entende e se adapta para atender as necessidades de todos, em vez de apenas a um grupo; que ela defende os direitos de todos, com as dificuldades que possam ter; traz grupos excluídos para dentro do “sistema”, trazendo a este uma qualidade que é usufruída por todos; e parte da compreensão de que todos somos diferentes, valorizando as peculiaridades e a individualidade de cada um. Estas foram notadas no próprio grupo, na riqueza da diversidade de experiências e compreensões.

É importante ressaltar que a inclusão começa pela família e pela escola, onde as crianças, os jovens e os adultos devem experienciar a convivência com todos, em vez da segregação dos grupos isolados.

No caso do currículo, não significa trabalhar para os grupos “especiais”, pois isso ainda é exclui-los, mas trabalhar com eles na construção da concepção de sujeito, de conhecimento e de mundo que o currículo envolve. Não se trata apenas dos alunos com necessidades educativas especiais, mas também dos “culturalmente diferentes” da norma de performance que a escola espera, “culturalmente desfavorecidos” em relação à cultura dominante.

Sociedade Excludente – Escola Excludente

A discussão do grupo pontuou que não existe uma escola excludente, desvinculada do contexto social mais amplo. Estas práticas são vividas, antes do cotidiano escolar, na vida. São elas as geradoras das estereotipias, dos medos e dos sentimentos de menor valia que muitos portadores de necessidades educativas específicas apresentam na escola. Foi gratificante encontrar, no nosso grupo, tantas pessoas que vencem estas barreiras e vão buscar, na luta, a superação do preconceito e o direito à plena cidadania.

Adaptações Curriculares

Para atender às diversidades de que falamos, há a necessidade de “adaptações” do currículo regular, envolvendo modificações organizativas, nos objetivos e conteúdos, nas metodologias e na organização didática, na temporalidade e na filosofia e estratégias de avaliação, permitindo o atendimento às necessidades educativas de todos, em relação à construção do conhecimento.

Alguns membros do grupo criticaram os currículos desenvolvidos nas escolas, chamando-os de “excludentes, reprodutores, domesticados, acríticos”. Esta reflexão incluiu os próprios currículos das universidades, sobretudo os dos cursos de formação de educadores.

A discussão desta semana deixou boas indicações de tópicos a serem aprofundados nas próximas etapas. Foi ressaltado, por exemplo, que qualquer adaptação curricular necessita das condições mínimas de acessibilidade, que permitam a sua consecução. O grupo falou também da importância, na atualidade, das novas tecnologias de informação e comunicação inseridas neste processo curricular, apontando para as chamadas “tecnologias assistivas”, conceito bastante novo na Educação em nosso país.

Tais adaptações precisam, necessariamente, envolver toda a equipe da instituição – evitando a transferência de responsabilidades – e perpassar três níveis: o projeto político- pedagógico, o currículo e as mudanças de atitudes individuais.

O conceito de adaptação curricular mostrou-se, no entanto, polêmico. Alguns membros do grupo defendem a idéia de que não é possível criar um currículo modificado para o desenvolvimento cognitivo específico de grupos de pessoas, tendo que haver apenas recursos técnicos de acessibilidade para esses grupos. Argumentam que é muito grande a diversidade de características destes grupos, o que demandaria a criação não de adaptações, mas de “múltiplos currículos”, sendo implementados concomitantemente. Afirmam, ainda, que não há qualquer diferença na estrutura mental ou na forma de aprendizagem dos membros destes grupos. Consequentemente, defendem a existência de um currículo único, e que seja feita, para todos os alunos, a avaliação diagnóstica do nível de abstração, concentração e generalização em que se encontram, dos conceitos previamente construídos e das motivações, por exemplo. Deste patamar partiria o desenho curricular adequado.

Outra parte do grupo, no entanto, afirmou que o desenvolvimento do currículo único, sem adaptações para atender às diversidades, pode acentuar as práticas excludentes, agora sob a forma do descaso e do abandono destes alunos ao “fundo da sala de aula” e aos perigosos rótulos das “dificuldades de aprendizagem”. Estes colegas argumentam que o fundamental é a criação da “escola inclusiva”, aquela que é tão flexível a ponto de acolher todos, e também as adaptações curriculares necessárias para que todos sejam atendidos. Afirmam que o currículo é único de qualquer forma, apenas no momento da implementação, em vez de uma única estratégia, são aplicadas adaptações.

A Formação Docente Necessária

Embora não fosse este o tópico discutido pelo grupo, assim como no Seminário, foram muito freqüentes as intervenções que destacavam a necessidade do aprimoramento desta formação, de que o professor – pesquisador que se pretende hoje em dia tenha em mente questões da problemática concernente à Educação Inclusiva, além da sensibilização e da motivação para o trabalho que realmente efetive a inclusão.

Esta formação deve, segundo alguns debatedores do Fórum, contemplar informações sobre os diversos tipos de necessidades especiais. Isto não significa, no entanto, desenvolver nos professores uma “ânsia diagnóstica” em relação aos alunos, baseada nas famosas classificações etiológicas, o que acaba se refletindo na já conhecida busca de encaminhamentos destes para outros profissionais, numa tentativa de minimizar a angústia docente diante do que não sabe enfrentar e da diminuição da culpabilização pelo fracasso destes alunos. Alguns membros do grupo defendem que esta aprendizagem não se restrinja às características das várias modalidades de necessidades educativas específicas, mas às peculiaridades dos vários grupos e culturas excluídos.

O grupo destacou, ainda, os aspectos da subjetividade docente que se refletem, por exemplo, nas representações – muitas vezes inconscientemente rotuladoras e preconceituosas – que os docentes elaboram, em relação às diversidades.

Foi unânime a constatação de que os nossos professores necessitam de formação contínua, e isto não se refere apenas ao trabalho inclusivo. Faz falta, também, uma capacitação que atinja o local de trabalho, pelas dificuldades dos docentes em relação a horários e deslocamentos para a realização de cursos. A Educação à Distância foi apontada como uma boa perspectiva para este tipo de suplência à formação inicial do professor.

A Prática da Inclusão na Escola

Esta talvez tenha sido a discussão mais acalorada do grupo. Novamente pudemos sentir duas posições quanto à questão. Uma parte dos debatedores defende a inclusão total e imediata, mesmo que “forçada”, colocando todos os alunos nas salas regulares, em tempo integral. Para eles a inclusão ocorrerá, naturalmente, no convívio e no contato diários. Argumentam que esta é uma estratégia efetiva para a diminuição da desigualdade social como um todo, acrescentando que este movimento não está crescendo apenas no nosso país, mas que é de âmbito mundial.

Outra parte do grupo trouxe um pensamento diferente, chegando a afirmar que o primeiro defende uma “inclusão xiita”. A inclusão total, segundo eles, é perigosa e pode aumentar os índices preocupantes de evasão. Pode ainda recriar, no cotidiano escolar, uma versão excludente das práticas externas, com a discriminação, a falta de acesso aos conhecimentos e a avaliação meritocrática e classificatória, de que falaremos mais tarde. Afirmam que os procedimentos inclusivos precisam ser acompanhados de uma preparação, que inclui a revisão das normas arbitrárias de normalidade, secularmente aplicadas. Criticam a aplicação indiscriminada de princípios que, mesmo sendo legítimos e justos, podem ser contaminados pelo descrédito e pela desesperança.

Cotidiano da Educação Inclusiva no cotidiano da Escola

Foram feitos alguns relatos de experiências sobre a inclusão do cotidiano escolar, por alunos (ou ex-alunos) com necessidades especiais e por professores. O grupo, no entanto, na discussão, identificou importantes aspectos desta dimensão.

Relatos de Experiências Pessoais como Alunos

Os poucos participantes que relataram as suas experiências escolares no ensino regular eram portadores de deficiência visual, e descreveram situações ocorridas em uma época quando nem sequer se aventava a possibilidade de inclusão, quando os alunos portadores de algum tipo de deficiência ou necessidade educacional especial que estudavam em classes regulares tinham que “se adaptar por conta própria”. O conceito de adaptação curricular não existia e os professores não eram qualificados para lidar com a diversidade educacional. Consequentemente, o sucesso acadêmico dependia do esforço do aluno e de sua “sorte” em contar com professores que tivessem interesse em ajudá-lo, e “bom senso” para vislumbrar formas alternativas de ensino. Não resta dúvida que um grande número de alunos abandonou a escola no meio do processo, sofrendo agudamente o processo excludente que tanto foi discutido.

Pelo que nos foi relatado, os alunos com deficiências visuais cumpriam sua escolarização básica (antigos primário e ginásio) em escolas ou classes especiais (muitos estudavam com professores particulares em casa), sendo que alguns seguiam posteriormente para o ensino médio (segundo grau) em escolas regulares. Vale observar que esta situação continua ainda sendo, em muitos casos, uma realidade no nosso país.

Segundo os relatos, só conseguir matrícula em uma escola regular já era um desafio, pois a maioria não aceitava alunos com deficiências. Muitos acabavam recorrendo às provas de diplomação (denominadas, na época, Artigo 91 e Artigo 99, correspondendo, respectivamente, ao ginásio e o segundo grau), mas isso também apresentava dificuldades já que não havia, de modo geral, condições para que as provas fossem transcritas em Braille e os candidatos eram obrigados a prestar exame oral.

Chamou a atenção do grupo que mesmo agora, com a legislação que obriga as escolas a aceitarem alunos com deficiências, uma mãe relatou que estava tendo que comparecer ao Ministério Público para garantir a permanência de seu filho cego na escola!

Além disso, os alunos cegos que conseguiam ultrapassar a barreira do ingresso no ensino regular se deparavam com dificuldades para desenvolver seus estudos, já que não havia equipamentos e recursos pedagógicos facilitadores. O próprio aluno era obrigado a trazer os seus equipamentos e a encontrar formas de acompanhar as aulas. Mais uma vez, verificamos que em grande parte das escolas brasileiras, inclusive nas universidades, essa situação ainda se faz presente. Outra dificuldade encontrada e que ainda perdura, sobretudo na universidade, é o volume excessivo de leituras que os alunos cegos não conseguem acompanhar, já que dependem da ajuda dos colegas de classes e de ledores, nem sempre disponíveis no ritmo requerido.

Relatos de Experiências como Professores

Também não foram muitos os relatos de professores sobre experiências de inclusão de alunos com deficiências em suas classes regulares, porém as opiniões eram divergentes. Um participante, por exemplo, colocou que, em sua experiência, os alunos que chegavam na escola regular oriundos do ensino especial tinham uma maior bagagem tanto em termos de socialização, quanto de desenvolvimento acadêmico, tendo, portanto, melhores condições de adaptação. Outro, ao contrário, ressaltou que esses alunos tinham mais dificuldades de entrosamento com a dinâmica da escola do que os que estavam desde pequenos no ensino regular.

No entanto, foi consensual que o grau de adaptação do aluno com necessidades especiais na escola regular depende da capacitação do professor. Foi relatado, como ilustração, o caso de uma aluna com deficiências múltiplas inserida em uma classe regular onde a professora, apesar de dedicada, não sabia como trabalhar pedagogicamente com ela; a menina ficava “jogada em um canto”, e acabou não querendo mais ir à escola.

Aparentemente, professores que já tiveram experiência no ensino especial têm mais facilidade em aceitar alunos especiais, quando lecionam em turmas regulares. A postura do professor quando considera esse aluno como sua responsabilidade, igual aos demais, é um fator determinante para o sucesso do processo ensino aprendizagem e de seu desenvolvimento acadêmico.

Outro aspecto importante é a compreensão de que cada aluno é diferente, ainda que tenham o mesmo tipo de deficiência ou necessidade especial. Uma professora relatou a experiência de dois alunos surdos em sua classe que, apesar do mesmo diagnóstico (e, segundo ela, do mesmo tipo de personalidade) apresentavam processos de aprendizagem, compreensão e envolvimento com as tarefas bastante distintas. Esse é um dado importante, pois o professor não pode pensar que uma vez que teve um aluno surdo em sua sala, por exemplo, todos os demais serão iguais.

A “inclusão forçada” foi também citada como um fator que prejudica, no cotidiano, a aceitação dos alunos especiais por parte do professor, que se sente ainda mais sobrecarregado. Há muitas queixas de professores contra essa “imposição” de alunos os quais eles não se sentem preparados para ensinar, principalmente no contexto já complexo de classes superlotadas e escolas sem apoio pedagógico efetivo.

Também foi discutida a prática segregada de Educação Física, com aulas separadas de alunos de classes especiais e regulares. Chamou atenção que isso ocorria mesmo em escolas cujas atividades recreativas e não-acadêmicas eram integradas. Quanto a esse aspecto foi levantada a questão da separação, em instituições especializadas, dos alunos cegos e dos de baixa visão.

Reflexões sobre a Prática Pedagógica

Embora não tenhamos tido um grande número de relatos destas experiências, a discussão sobre cotidiano escolar foi bastante rica, tendo girado em torno de duas questões básicas:

Sobre essas questões alguns pontos foram consensuais. O primeiro era de que não é possível, nem mesmo desejável, que haja um “manual” que explique “como desenvolver e implementar um currículo inclusivo”. Isso vai contra a própria essência do conceito de currículo inclusivo, que tem a característica básica de ser flexível para permitir a individualização.

Ainda sobre o currículo, foi visto que na creche e na Educação Infantil, cuja ênfase recai em atividades que visam o desenvolvimento da psicomotricidade, linguagem, além de autonomia e participação, não há necessidade de grandes adaptações em nível curricular. Ao contrário, o importante é descaracterizar a criança com deficiência com um ser frágil, que necessite atitudes de superproteção por parte da professora.

Na escola básica, porém, a situação é mais complexa, pois a maior parte dos professores, oriundos de uma formação “conteudista”, acredita que alunos com necessidades especiais, devido aos seus comprometimentos, não têm condições de alcançar os objetivos propostos para os demais. A inclusão pode, no entanto, ser favorecida, se o Projeto Político-Pedagógico da escola enfatizar programas; tanto os voltados para desenvolvimento de habilidades sociais de modo geral, quanto de educação acadêmica formal, propriamente dita. No âmbito da convivência social, temos como metas a comunicação, a linguagem, a aprendizagem individual e social e o desenvolvimento do potencial (através de seus interesses). No âmbito acadêmico, o desenvolvimento da leitura e da escrita, a resolução de situações-problema e compreensão do cálculo, o cuidado com o próprio corpo e com o ambiente e a percepção das transformações no entorno social são os pontos enfatizados. As situações reais das atividades organizadas para o alcance das metas permitem que o professor reflita sobre cada resposta alcançada, dentro dos interesses e dos ritmos de cada criança.

A alfabetização, sobretudo de pessoas cegas, foi também um dos focos de discussão durante essa semana, e os participantes a consideraram como um ponto que ainda necessita de maiores reflexões, no que tange à inclusão direta desses alunos na classe regular. Foi manifestado que, no caso de crianças cegas, há risco de problemas de aprendizagem se elas forem incluídas em uma classe de 40 alunos para serem alfabetizadas, antes de terem o domínio do Braille e Soroban.

De modo geral, foi visto que não há como se determinar a forma como cada escola fará as adaptações curriculares necessárias; o próprio professor, baseado em sua experiência cotidiana, pode chegar a propostas criativas que atendam às necessidades individuais dos alunos, sem sair de sua rotina com a turma.

Sobre o papel a ser representado pelo professor no cotidiano de uma classe inclusiva, houve diferentes manifestações. Enquanto alguns enfatizavam sua capacitação pedagógica diferenciada como pré-requisito para encarar a diversidade no processo ensino-aprendizagem, outros colocaram que a maior função do professor em sala de aula não é tanto passar um conteúdo específico, mas sim desenvolver relacionamento, cidadania e independência. Sobre essa perspectiva, foi levantada a questão do conteúdo acadêmico mínimo que necessita ser cumprido em cada etapa da escolarização, argumentando-se que um professor preparado para lidar com a diversidade e a individualidade não terá grandes dificuldades em transmitir qualquer conteúdo a seus alunos. Por outro lado, um professor preparado apenas para transmitir conteúdos, sem saber lidar com a diversidade e a individualidade, nem sempre conseguirá transmitir o seu conteúdo programático, mesmo que não tenha alunos com necessidades especiais em sua classe.

No desenvolvimento da dinâmica cotidiana foi considerado importante que as aulas incluam diferentes alternativas para abordar o assunto do dia, de forma que os vários “estilos” e interesses de aprendizagem tenham vazão. O professor deve aprender a planejar as suas aulas de maneira diversificada, para que cada aluno tenha oportunidade e possibilidade de participação e, ao final, contribua para a aprendizagem geral do grupo. Independente da composição da turma, o professor deve ser capaz de preparar e coordenar as atividades de sala de aula, imprimindo às mesmas uma dinâmica mais compatível com a realidade social e menos enfadonha para os alunos. Além disso, em uma aula inclusiva atividades de caráter comparativo e competitivo devem ser substituídas por aquelas que incentivem a cooperação entre os alunos.

Foi também bastante realçado, por diversos participantes, que o professor que se proponha a atuar efetivamente com uma perspectiva inclusiva, deve ser um pesquisador de sua própria prática, pois só assim ele poderá construir novos paradigmas de educação, desenvolvimento e aprendizagem. Nesse sentido o professor, ao iniciar seu trabalho diário, deve sempre se perguntar: “O que preciso fazer para que o aluno X, que tem uma deficiência / dificuldade Y, possa aprender o conteúdo programado, como os demais?” “Será que o que estou falando / mostrando faz sentido para ele? Será que ele partilha dos mesmos significados que a maioria dos outros alunos?”. Este simples exercício investigativo ilustra como se pode lidar no cotidiano com a diversidade, pois tira a ênfase e a responsabilidade em aprender do aluno e focaliza nos procedimentos de ensino, beneficiando a turma toda, não só o aluno considerado “especial”.

Nesse sentido, os saberes acumulados da Educação Especial têm que ser compartilhados com os professores e demais educadores do ensino regular, sempre que qualquer aluno com algum tipo de deficiência ou dificuldade específica chegue na escola. Como ele aprende, e o que ele precisa para aprender?, são as primeiras questões que a professora terá que desvendar, antes de planejar qualquer atividade para ele.

Ficou explícito nas discussões travadas sobre o cotidiano que, se por um lado, há consenso que o currículo e as atividades de sala de aula dele decorrentes têm que ser planejados para todos, por outro, vários participantes apontaram que não há como negar que, que alunos com necessidades especiais específicas têm que ser atendidos em suas especificidades, caso contrário a aprendizagem não acontecerá.

Em outras palavras, uns advogam que o currículo tem que ser o mesmo e o professor deve transmitir a matéria e desenvolver as atividades para a classe como um todo, sem colocar na “berlinda” nenhum aluno. Outros, no entanto, acreditam que na pratica cotidiana muitas vezes a adaptação é a única forma de estimular o aluno e promover algum tipo de aprendizagem; principalmente porque ele já vem com uma história de fracasso escolar. Se a sua inserção na classe regular não lhe garantir algum nível de sucesso acadêmico, mesmo que o que lhe seja cobrado seja diferentes dos demais, ele se tornará mais frustrado ainda e a situação escolar poderá ser aversiva.

O grande problema apontado, em diversos momentos da discussão, foi o número excessivo de alunos na classe regular. Pois, frente a uma turma de mais de 30 alunos, como é a realidade em todo nosso país, é muito complicado para o professor desenvolver uma dinâmica diversificada, que lhe garanta um equilíbrio entre o planejamento curricular geral e o atendimento às diferentes necessidades individuais dos alunos.

Finalmente, a polêmica entre a inclusão total e as alternativas de atendimento mais específicas, já mencionada, foi também trazida no bojo da discussão sobre cotidiano escolar. Baseados em suas experiências, alguns participantes pregam que modalidades especializadas como sala de recursos, por exemplo, se devidamente organizadas e integradas na proposta pedagógica da escola, são um excelente instrumento de apoio ao professor que tem alunos com deficiências em sua classe. Para eles, a existência no sistema escolar desse tipo de apoio, traz ao professor de classe regular certa segurança pedagógica, que lhe permite lidar com o desconhecido e, então, aceitar o desafio de forma mais tranqüila.

Outros participantes, no entanto, lembraram que as salas de recursos têm tido, no decorrer dos anos, a tendência de substituir o aprendizado na sala regular, onde o aluno especial acaba tendo como único objetivo sua “socialização”. Em outras palavras, a existência de salas de recursos ou outras alternativas de atendimento tem levado na prática o professor a, de uma certa forma, se acomodar e se eximir da responsabilidade de ensinar aquele aluno junto com os demais, e essa foi, justamente, uma das razões da falência do modelo de integração.

O contra-argumento foi de que com a disseminação (bem sucedida) de propostas inclusivas nas escolas regulares, as salas de recursos terão gradativamente a sua participação diminuída no exercício da docência em sala de aula, mas que, neste momento, elas ainda são um porto seguro para o professor que desconhece o aluno especial.

Em termos gerais, no entanto, o grupo concorda que oferecer algum atendimento específico, em grupos menores, não contradiz obrigatoriamente a inclusão, desde que as pessoas tenham sempre a oportunidade de aprender juntas, em grupo ampliado, por exemplo, em oficinas de trabalho diversificado.

Precisamos, no entanto, de equipes específicas que detenham este conhecimento e que, principalmente, tenham a vocação de multiplicadores da formação, para dar apoio a estes professores e “traduzir” esses conhecimentos específicos em suporte para a prática docente, para a construção de um cotidiano institucional inclusivo.

Avaliação Institucional e da Aprendizagem no Paradigma da Escola Inclusiva

Este tópico talvez seja o de mais difícil abordagem, e isto se refletiu no pequeno número de intervenções a seu respeito, embora o interesse pelo assunto fosse manifestado e os comentários sobre o tema, de alta validade. Nós, educadores, ainda estamos muito pouco preparados para este complexo processo que é a avaliação, além de trazermos sensíveis lacunas sobre ele, originárias dos cursos de formação.

Avaliação Institucional

Abrangente e “total”, inclui a avaliação da instituição educativa e do próprio currículo que ela implementa, das condições extrínsecas ao aluno. Os participantes do grupo enfatizaram esta necessidade, destacando que um currículo inclusivo não pode prescindir da qualidade, sendo a avaliação um instrumento de alcance e manutenção da mesma.

Constitui-se, além do mais, em importante avaliação do próprio sistema avaliativo empregado, ou do que atualmente chamamos de meta-avaliação. A escola deve ser avaliada nos seus aspectos políticos, teóricos e pedagógicos, e na própria filosofia de inclusão que ali se pratica (ou não se pratica). Isso evita o conhecido fenômeno de “culpabilização” do aluno pelo fracasso na aprendizagem e permite vislumbrar o que o nosso grupo tanto almeja: uma escola que garanta a permanência de todos, sem exclusão e sem desenvolvimento de processo segregatórios e seletivos. Por voltar os olhos para a própria instituição e para os atores institucionais, a avaliação gera, muitas vezes, resistências e demanda a criação de um clima favorável e de atitudes institucionais avaliativas, por parte do grupo que nela transita.

Um processo de avaliação precisa envolver aspectos objetivos, que permitam dados claros e indiscutíveis sobre o que a instituição realiza, mas também ter um olhar, de cunho mais sensível, do "institucional vivido", da dimensão simbólica que confere significações e torna representações e ações obrigatórias para a sociedade ou para o grupo. Ele concorre para que a avaliação institucional se situe para além da pura eficácia organizativa e funcional. Em verdade, ela pode se transformar num instrumento de poder, a serviço de interesses hegemônicos e de grupos conservadores da sociedade.

É o momento de avaliar o contexto escolar, incluindo o Projeto Político-pedagógico, as condições materiais de funcionamento da instituição, a atuação da equipe técnico-administrativa, as estratégias de gestão, as condições de “ecologia organizacional”, o currículo desenvolvido e o sistema de avaliação de rendimento, entre outros aspectos.

Dentro do currículo, em especial, avalia-se, ainda, o próprio contexto da aula (estratégias didáticas e metodológicas, relações interpessoais, organização, atuação docente etc)... Mas, conforme apontado na discussão, deve-se avaliar, também, o contexto externo a escola, incluindo a comunidade em sentido amplo e a família, em particular.

Avaliação da aprendizagem, ou do rendimento dos alunos

Esta, embora cotidiana, não é tão mais fácil que a anterior. A Educação traz para a avaliação, segundo o nosso grupo de discussão, a visão de homem e de sociedade que a inspira. Se esta visão é rígida, classificatória e calcada em padrões “normalizantes” – como a da maior parcela da nossa sociedade – a avaliação dela decorrente é a que vivenciamos na realidade escolar: meritocrática e discriminatória. Neles ainda prevalece o culto aos padrões estabelecidos de beleza, de aptidão e de intelectualidade.

Para agravar este quadro, a Educação – do mesmo modo que a Psicologia da Educação – sofreu forte influência dos estudos mensuracionistas sobre a inteligência e do paradigma medicalizante no tratamento das dificuldades de aprendizagem em o tratamento dado aos desvios de comportamento apresentados na escola. A própria avaliação qualitativa ficou diminuída, frente às estratégias quantitativas de avaliação da aprendizagem. O resultado disto é que as falhas na avaliação provocam, entre outras coisas, o encaminhamento freqüente, aos serviços especializados, de alunos que apresentam necessidades educativas que podem ser supridas pela própria escola.

Uma avaliação que leva em conta as diversidades, da mesma forma que o currículo, precisa sofrer adaptações. Trata-se, segundo os encaminhamentos do grupo, de desenvolver uma perspectiva crítica quanto à avaliação, incluindo questões como: “Quais os objetivos iniciais do processo ensino - aprendizagem?” “O que estamos realmente avaliando? “Para que?” “Quais os aspectos que podem ser modificados (em que âmbito e com qual prioridade)?” “Quais as estratégias de mudança decorrentes da avaliação realizada?” “Qual a participação do aluno nesse processo avaliativo” (será ele apenas o objeto da avaliação?), entre outros.

O aluno portador de necessidades educacionais especiais, segundo o grupo, é um indivíduo que se desenvolve de forma qualitativamente diferente, mas não pode ser considerado inferior ou incapaz de aprender. Foi denunciada a tendência à estereotipia e à rotulação, muitas vezes dissimulada por sentimentos de pena e comiseração em relação a esses alunos que “aprendem de maneira diversa”. Isto leva a uma avaliação que foca muito as dificuldades e limites, e pouco as potencialidades e os avanços alcançados. Foi lembrado no fórum, ainda, que a avaliação deve considerar o chamado “estilo de aprendizagem” de cada um, já que todos nós temos formas próprias e peculiares de aprender. A consideração do estilo pessoal e das competências de cada aluno certamente propiciaria a utilização de formas mais criativas de avaliar o rendimento escolar.

Os participantes do grupo indicaram a importância da análise comparativa das respostas emitidas, pelos alunos, às propostas curriculares apresentadas pela instituição. Esta comparação não deveria ser feita, porém, apenas entre os alunos ou em relação aos padrões de expectativa previamente estabelecidos, mas evolutivamente, quanto aos progressos de cada aluno.

Outro enfoque foi o de que deve ser mudada a tendência vigente de avaliar apenas o que o aluno realiza sozinho, e se passar a avaliar também o que ele é capaz de realizar em grupo, ou com o auxílio do professor.

A avaliação deve ser realizada continuamente, evitando-se o uso apenas de “cortes avaliativos” transversais. Estes podem sofrer a influência de variáveis que intervêm no processo só naquele momento, mascarando assim o desempenho dos alunos. É fundamental que o professor utilize registros, para que a longitudinalidade, citada anteriormente, ocorra. Principalmente na realidade educacional do nosso país, em que predominam as turmas numerosas, os registros permitem que o professor não perca os dados da avaliação.

É importante a formação de grupos de alunos, a partir do resultado das avaliações, porque isso facilita o trabalho do professor. O grupo ressaltou, no entanto, que esses grupos não devem ser fixos, estáveis, mas sofrer uma rotatividade que facilite a interação entre todos os alunos.

Da mesma forma, deve haver uma variedade de metodologias, situações e instrumentos de avaliação (produção escolar, coletada de variadas formas, análise documental e entrevistas, por exemplo), e que ela não ocorra apenas em situações formais. O grupo destacou a importância da observação, como estratégia de coleta de dados para a avaliação.

Finalmente, os debates do fórum pontuaram que a avaliação da aprendizagem não deve ser um ato solitário do professor, dela participando as outras pessoas que interagem com o aluno na escola.

Considerações Finais

Apresentamos, nas páginas que se seguiram, o relatório das discussões sobre currículo inclusivo, realizadas durante o Seminário “Educação Inclusiva no Brasil: Diagnóstico Atual e Desafios para o Futuro” promovido pelo Banco Mundial em parceria com a Secretaria de Educação da Cidade do Rio de Janeiro / Instituto Helena Antipoff, bem como da discussão sobre “Currículo para Educação Inclusiva!” que se seguiu durante a semana de 21 a 15 de abril de 2003, pela Internet, também coordenada pelo Banco Mundial.

A dinâmica de ambas as discussões já foi apresentada nas partes anteriores deste relatório, mas vale destacar aqui, como o leitor deve ter percebido, que houve uma relação direta e uma sintonia entre os dois grupos de discussão. Com isso, elimina-se a possibilidade de que os aspectos apontados pelo grupo de discussão ao vivo fossem, de uma certa forma, tendenciosos, já que se tratava de um seminário fechado, cujos participantes foram selecionados, previamente, pela coordenação do evento. Como a lista de discussão pela Internet foi aberta, a congruência de posicionamentos nos deixa tranqüilas ao afirmar que as conclusões que, de forma sintética, apresentaremos agora, representam a visão – senão de todos - pelo menos de parte significativa das pessoas preocupadas com a Educação Inclusiva no Brasil.

Embora todos os participantes deste debate defendam, com maiores ou menores restrições, a proposta de inclusão educacional de alunos com necessidades especiais na escola regular, ninguém tem a ilusão de que sua implementação em nível de sistema educacional brasileiro seja uma tarefa simples. Trata-se de um enorme (porém, não intransponível) desafio para o professor garantir o aprendizado de alunos com deficiências ou grandes dificuldades cognitivas, psicomotores e sensoriais e psicológicas, diversas dos demais alunos, no contexto das atividades rotineiras e do planejamento para a turma com um todo.

Partimos da compreensão de que inclusão acadêmica não é o mesmo que inclusão social, e que a acessibilidade e a permanência do aluno especial na escola regular não garante a apropriação de conhecimento e a qualidade de ensino. Embora alguns participantes valorizassem os aspectos de desenvolvimento social, há a preocupação de que, se a dimensão acadêmica for minimizada em projetos de inclusão, os alunos que trocarem o ensino especial pela escola regular terão sua aprendizagem e aquisição de conhecimentos prejudicadas, o resultando em fracasso e evasão escolar.

Foi bastante significativo que tanto no Seminário, quanto na discussão on line, apesar de explicitamente solicitado, foram apresentados apenas alguns poucos relatos de experiências concretas de como o currículo e a dinâmica das aulas de classes regulares foram adaptadas para atender a alunos com necessidades especiais. Assim, sem dados para nos basear, a discussão ficou mais voltada para o aspecto conceitual – teórico.

Tivemos alguns depoimentos de pessoas com deficiência sobre a sua escolarização no ensino regular, e alguns depoimentos de professoras ou educadores sobre esse ponto. Foram feitos também, por diversos participantes, comentários, observações ou reflexões sobre o cotidiano e as adaptações curriculares na sala de aula para que possa acontecer um processo de inclusão, porém sem referências às situações reais já ocorridas. Isso parece ser um indicativo de que a Educação Inclusiva, embora respaldada pela legislação e considerada política educacional prioritária, ainda não representa a realidade cotidiana de nossas escolas.

O currículo para uma escola inclusiva não se refere apenas às adaptações feitas para acomodar os alunos com deficiências ou demais necessidades especiais, mas implica, sim, em uma nova forma de concepção curricular, que tem que dar conta da diversidade do alunado da escola. Independente da composição da turma, o professor deve ser capaz de preparar e coordenar as atividades de sala de aula, imprimindo às mesmas uma dinâmica mais compatível com a realidade social e menos enfadonha para os alunos.

A característica básica de um currículo inclusivo é a sua flexibilidade. Um currículo que atenda à diversidade deve ser passível de adaptações tanto de objetivos específicos, quanto de metodologias de ensino, mantendo, porém, a base comum. Em outras palavras, o currículo não pode ser tão "fechado" que não permita as novas experiências que o oxigenarão, nem tão fluido a ponto de deixar as experiências educativas acontecerem de maneira “espontaneista”.

Nesta nova perspectiva curricular a ênfase e a responsabilidade pela aprendizagem é deslocada do aluno e dirigida para os procedimentos de ensino. Ou seja, não é o aluno que tem que adaptar, geralmente sem condições para tal, sua forma de aprender ao ritmo da aula, mas ao contrário, o ritmo e dinâmica da aula é que devem ser adaptados para permitir a participação e aprendizagem de todos os alunos.

Para tal, as aulas têm que adquirir uma dinâmica aberta, que, mantendo o fio condutor, possibilite atividades diversificadas, que incentivem a participação e colaboração de todos. Na escola inclusiva, a cooperação -- e não a competição -- é o instrumento utilizado para incentivar a aprendizagem. Cada aluno deve receber as condições para conhecer o seu próprio processo de aprendizagem, suas características e necessidades. Ter consciência de seus limites e, como meta, a superação dos mesmos. Na escola inclusiva, o aluno “compete” apenas com ele próprio, desenvolvendo um processo que podemos chamar de auto-conhecimento – ou de meta-avaliação da própria aprendizagem (seu ritmo e peculiaridades).

A grande barreira surge, em parte, porque os nossos professores não foram preparados, tanto pedagógica como psicologicamente, para lidar com alunos com diferentes necessidades individuais, sobretudo se essas envolvem deficiências sensoriais ou psicomotoras, ou comprometimentos graves de ordem cognitiva, comportamental e ou de comunicação. Embora a formação do professor não tenha sido nosso tema focal, não se pode falar sobre currículo e cotidiano escolar, sem realçar o papel do professor. Assim, acreditamos que a fronteira entre a discussão curricular e a de formação de professores, é de uma certa forma artificial, e a única maneira produtiva de se pensar o currículo inclusivo é atrelá-lo à compreensão que o professor tem deste currículo e de sua prática pedagógica junto a todos os alunos que ele se propõe a contemplar.

Não resta dúvida de que para o professor atuar efetivamente em uma perspectiva inclusiva ele deve ser, antes de tudo, um pesquisador, planejando sistematicamente, coletando dados, analisando, refletindo e transformando a sua prática. Se essa postura é fundamental em qualquer situação de ensino-aprendizagem, mais ainda nos projetos de Educação Inclusiva, onde há carência de experiências sistemáticas, avaliadas e divulgadas, que nos permitam sair do esquema em que cada um trabalha na base do ensaio-e-erro, ainda tão comum na maioria de nossos projetos educativos.

É preciso assinalar, que a educação inclusiva não pode ser uma forma de negar as necessidades educativas especiais específicas de cada aluno. Por isso o grupo até propôs que não se fale em inclusão para todos e sim para cada um. A individualização do processo ensino-aprendizagem é a base em que se constitui um currículo inclusivo. E isso implica em se reconhecer as características e dificuldades individuais, para, então, determinar que tipo de adaptações são necessárias, ou não, para que o aluno aprenda.

Alguns membros do grupo consideram ser importante que o professor conheça um pouco sobre cada tipo de necessidade especial, até para saber onde e quando pedir ajuda. Nesse sentido se enquadra a contribuição da Educação Especial, não visando importar os métodos e técnicas especializados para a classe regular, mas sim tornando-se um sistema de apoio permanente e efetivo para lidar com as necessidades especiais não só do aluno, mas também do professor da classe regular. Este sistema de suporte deve estar disponível na própria escola, com profissionais capacitados em educação inclusiva.

Vale ressaltar também que disponibilizar atendimento especializado para alunos com necessidades especiais que estejam enfrentando dificuldades em acompanhar a classe, não vai contra o modelo de inclusão. Principalmente aqueles mais prejudicados cognitivamente, certamente necessitarão desse apoio, bem como alunos cegos e surdos no seu processo de alfabetização e aquisição de linguagem. A mudança de paradigma está no papel que o especialista exerce. Na escola inclusiva, ele atua como suporte para o professor regular, e não em substituição a este: o aprendizado tem que ocorrer na classe com todo os demais; caso contrário, não estamos lidando com um modelo inclusivo (foi o que aconteceu em alguns dos casos apresentados no seminário).

Em outras palavras, inclusão não pode ser responsabilidade única da Educação Especial. Não é uma simples questão do professor de Educação Especial ditar ao professor da classe regular como trabalhar com esse aluno. Se não for desenvolvida uma dinâmica de trabalho integrado, conforme já mencionado, estaremos criando um sistema especial dentro da escola regular, o que não é Educação Inclusiva.

Também foi ressaltado nas discussões que, ao se falar em individualização curricular, não se está referindo apenas aos alunos com determinados tipos de necessidade especial, mas sim que o currículo deve ser adaptado para cada aluno. Isso é que significa lidar com a diversidade, pois um aluno que enxerga e um aluno cego podem ter mais afinidade em seu processo de aprendizagem do que, por exemplo, dois alunos com o mesmo grau de deficiência visual. Esse enfoque desconstrói o paradigma rotulista e estigmatizador que olha o aluno com ênfase em sua deficiência e não em seu processo de desenvolvimento e personalidade global. Antes de serem deficientes, eles são alunos, e o professor tem tanta responsabilidade de ensiná-los quanto aos demais. Se eles apresentam características diferenciadas, com as quais o professor não tem condições de lidar sozinho enquanto atende ao resto da turma, a escola tem que providenciar suporte especializado. Esse suporte deve ser disponível para todos os alunos que estiverem apresentando qualquer dificuldade permanente ou temporária em acompanhar o trabalho realizado na sala de aula, e não apenas para os que vieram encaminhados do ensino especial.

Seguindo essa vertente, ficou bem marcado nas discussões ao vivo no Seminário, e on line pela Internet, que o processo da inclusão tem uma amplitude que vai além da inserção de alunos considerados especiais na classe regular, e de adaptações pontuais na estrutura curricular. Inclusão implica em um envolvimento de toda a escola e de seus gestores, um redimensionamento de seu projeto político pedagógico, e, sobretudo, do compromisso político de uma re-estruturação das prioridades do sistema escolar (municipal, estadual, federal ou privado) do qual a escola faz parte, para que ela tenha as condições materiais e humanas necessárias para empreender essa transformação.

Nos chamou a atenção que, em ambas discussões, o tema avaliação, embora considerado fundamental para a elaboração de um currículo inclusivo, não foi muito aprofundado, principalmente no que diz respeito à troca de experiências e alternativas de avaliação. A ausência de critérios e métodos de avaliação definidos para aprendizagem de alunos que não se encaixam na avaliação tradicional muito nos preocupa, pois nos impede que de traçar e acompanhar as adaptações curriculares necessárias.

Para que se alcance um novo paradigma de avaliação alguns aspectos discutidos tornam-se fundamentais, entre eles a necessidade de se conhecer e tomar por base o potencial de aprendizagem que o aluno possui e os avanços que alcança em relação ao próprio desempenho, antes de compará-lo com outros alunos. As situações avaliativas também podem tornar-se preciosos momentos de aprendizagem, se as entendermos como intervenções proativas em relação às dificuldades e aos erros.

O aluno que estamos avaliando pode ter características de aprendizagem diferentes das quais o professor está acostumado a lidar, o que vai lhe requerer atenção especial, mas isto não significa que a sua estrutura mental e a qualidade da sua aprendizagem sejam necessariamente deficitárias, em relação aos outros alunos. Significa, sim, que temos que definir critérios claros e específicos para esta avaliação, e não que tenhamos que praticá-la de maneira paternalista.

É importante avaliar também as condições reais de inclusão que são oferecidas aos alunos, já que esta é meta do trabalho desenvolvido. É necessário ter coragem de ousar no que diz respeito à avaliação, rompendo com práticas tradicionalmente utilizadas, e criando adaptações, da mesma forma que foi proposto em relação ao currículo em geral. Foi ressaltado que não é apenas o aluno que precisa ser avaliado, mas o próprio currículo – e a instituição e os “atores” que o implementam, o contexto educacional, incluindo as políticas e o entorno comunitário e familiar que o compõe.

A avaliação deve ser vista não como julgamento do aluno, e sim como indicador do professor de que caminho trilhar, nesse sentido é necessário discernir quais as dificuldades que são do próprio aluno, distinguindo-as das que foram causadas por práticas e processos pedagógicos equivocados. Toda a avaliação requer ações correspondentes, no sentido do aprimoramento do processo ensino-aprendizagem. Se isto não acontecer, estaremos avaliando apenas para rotular e, consequentemente, discriminar e excluir.

Antes de finalizar, apresentamos uma síntese dos principais entraves e possibilidades de um currículo inclusivo, conforme destacados nas discussões sobre o tema, deixando claro que este quadro está longe de ser completo. Esse tipo de instrumento pode ser utilizado pela escola em sua própria avaliação do processo de inclusão, já que o quadro pode e deve ser modificado há todo momento em que esses, e outros entraves, sejam ultrapassados, ampliando-se a coluna das possibilidades.

Currículo inclusivo
Principais entraves  Principais possibilidades
  • A sociedade excludente que envolve a escola e as famílias.
  • A precariedade das condições da Educação, em geral, no nosso país.
  • Falhas na formação inicial e continuada dos docentes e demais profissionais que lidam com os alunos que apresentam necessidades educativas especiais.
  • Dificuldades de conceptualização, planejamento, implementação e avaliação dos Currículos.
  • Excessivo número de alunos nas turmas.
  • A implementação, pelas escolas, de adaptações curriculares menos significativas (como as mudanças apenas na estrutura física), deixando de lado as verdadeiras mudanças, mais profundas, e que requerem o envolvimento da instituição como um todo.
  • Excesso de leituras e trabalhos acadêmicos sem organização de um sistema de apoio, sobretudo a nível de 3º grau.
  • Iniciativas que permitam, como a deste Fórum, a interlocução e o debate entre as pessoas que trabalham e se preocupam com a inclusão em sentido amplo e com a Educação Inclusiva, em especial.
  • O desenvolvimento de políticas que contemplem de forma efetiva a inclusão, com a geração dos correspondentes processos de gestão educacional.
  • A interação com os alunos, na construção das propostas pedagógicas.
  • A aplicação da diversificação metodológica nas escolas.
  • A divulgação de experiências bem sucedidas na área, incentivando a troca de experiências.
  • Amplas discussões sobre paradigmas e procedimentos avaliativos, confrontando-os com o quadro de “dificuldades de aprendizagem” que encontramos nas escolas.
  • Fortalecimento de processo de cooperação entre os alunos, que ao auxiliar seus colegas estarão aprendendo.
 

Antes de encerrar esta síntese, queremos reafirmar a certeza, compartilhada por todos os participantes dos dois momentos da discussão, de que “não há receita de bolo”, modelo fechado de currículo inclusivo, ou diretriz política imposta “de cima para baixo”, que possa dar conta de transformar uma escola tradicional em uma escola inclusiva. Cada escola, cada classe, cada professor e, sobretudo cada aluno, representa uma realidade distinta, e são os próprios atores diretamente envolvidos no processo cotidiano de inclusão, as pessoas melhor qualificadas para determinar, na prática, o caminho a ser seguido.

A contribuição do nosso grupo, nesse sentido, foi tão somente delinear alguns dos principais aspectos da nossa prática escolar que precisam ser transformados, identificar alguns do "nós" ou entraves à essa mudança de paradigma, assim como propor algumas estratégias para desatar os nós, deixando o fio livre para ser tecido por cada professor em sua sala de aula.

Conforme apontando em varias ocasiões, no decorrer deste relatório, é importante que futuros trabalhos sobre educação inclusiva se concentrem nas questões referentes à sua implementação no cotidiano escolar, objetivando delinear praticas pedagógicas, adaptações de conteúdos, metodologias de ensino e modelos alternativos de avaliação. É de fundamental importância o desenvolvimento e a divulgação de estudos e pesquisas sobre experiências de inclusão longitudinais, com dados sobre trajetórias escolares de alunos especiais, bem como mudanças na atuação docente e implicações acadêmicas e sociais para a escola como um todo.

Finalizando, não se pode deixar de destacar, como dissemos, que essa mudança não pode ser imposta, e que é crucial que seja levada em consideração a visão que as próprias pessoas com necessidades especiais têm do processo de inclusão, bem o que os alunos, de modo geral, têm sobre os currículos e a forma de educar.

Discussões inclusivas, como as que travamos nesse fórum, são um passo decisivo nessa direção democrática de ensino. Nela ficou patente a “paixão” deste grupo, o envolvimento com a luta pela inclusão, o desejo de aprender mais sobre esta área – fundamental na Educação – e a profunda fé em que, em um futuro não muito distante, a Educação Inclusiva esteja disseminada e seja uma realidade no nosso país.

 Referências Bibliográficas

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05/10/1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

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________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes curriculares nacionais para a Educação Especial, 1998.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial - Secretaria de Educação Básica. Parâmetros curriculares nacionais: adaptações curriculares, 1998.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Direito à Educação – necessidades educacionais especiais: subsídios para atuação do Ministério Público brasileiro. Brasília: MEC/SEESP, 2001.

FERNANDES, A.V. M. Educação Especial e cidadania tutelada na nova LDB. In: Silva, C. S. B.; Machado, L. M. (Orgs.) Nova LDB: trajetória para a cidadania? São Paulo: Arte e Ciência, 1998, p. 59-74.

FERREIRA, J. R. e GLAT, R. Reformas educacionais pós-LDB: a inclusão do aluno com necessidades especiais no contexto da municipalização. In: Souza, D. B. e Faria, L. C. M. Desentralização, municipalização e financiamento da Educação no Brasil pós-LDB. Rio de Janeiro: DP& A, 2003 (no prelo)

GLAT, R. A Integração social dos portadores de deficiência: uma reflexão. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

________ e NOGUEIRA, M. L. de L. Políticas educacionais e a formação de professores para a Educação Inclusiva no Brasil. Revista Integração, Brasília: MEC/SEESP, 14 (24), p.22-27, 2002.

Mc LAREN, P. Multiculturalismo crítico. Rio de Janerio: Cortez Editora, 1998.

OLIVEIRA, E. S. G. & COSTA, M. A abordagem multiculturalista da Educação Especial na formação do pedagogo – identidades feridas ou perspectivas de inclusão? - In Actas do I Colóquio Luso – Brasileiro sobre questões curriculares. Lisboa, meio eletrônico, 2002.

SÁ, E. D. Verbete de Adaptações Curriculares, meio eletrônico, s/d

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______. Open file on Inclusive Education: support materials for managers and administrators. UNESCO Workshop: Paris, p. 10-11, s/d.

Anexos

Dialogando com o Documento “Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares”

Elaborado por: Eloiza da Silva Gomes de Oliveira

Este texto não busca analisar criticamente o documento da Secretaria de Educação Especial do MEC, publicado em 1998.Embora ele esteja disponível na página do MEC, não sei se todos tiveram acesso a ele.

Limitei-me a pontuar algumas questões, já que ele é um dos nossos textos de suporte, para alimentar a discussão do grupo e focar a discussão sobre o nosso tema de fundo: as adaptações curriculares.

O documento começa apresentando os objetivos do Ensino Fundamental. Deles destaco dois, relativos aos alunos, e que são de nosso grande interesse. Parece-me que eles expressam em plenitude o significado da Educação Inclusiva.

Enuncia o princípio da EDUCAÇÃO PARA TODOS, em termos de “igualdade de direitos e oportunidades, em um ambiente educacional favorável” e privilegia o atendimento educacional especializado realizado na própria escola. Preconiza a interatividade entre o educando e a instituição, visando o aprimoramento de ambos.

Apresenta como possíveis caminhos para o atendimento à diversidade:

Considera a Educação Especial, como expressa a LDB, uma modalidade de educação escolar, evitando a criação de serviços educacionais especiais isolados. A diversidade dos alunos (gerada por condições individuais, econômicas, sócio-culturais) gera a necessidade de atos pedagógicos diferenciados.

Ao estudar as “necessidades educacionais especiais” desloca o foco do aluno para as respostas educacionais que eles demandam, por parte das instituições educativas.

Enfatiza que a existência de professores especializados, e de outros professores, não significa que o professor regente da turma deixe de ter responsabilidade na condução da ação docente.

Utiliza um conceito amplo de currículo que, elaborado a partir do Projeto Político - Pedagógico escolar, se associa à identidade da instituição escolar e à sua organização e funcionamento, e ao papel que exerce, a partir das aspirações e expectativas da sociedade e da cultura. Inclui as experiências postas à disposição dos alunos, planificadas no âmbito da escola, com o objetivo de propiciar o desenvolvimento pleno dos educandos. Não se fixa no que há de especial na educação dos alunos, mas flexibiliza a prática educacional, para atender a todos. As adaptações curriculares implicam:


Esquema 1 – Implicações das adaptações curriculares

As adaptações curriculares não podem ser consideradas como maiores ou menores, mais ou menos radicais, mas devem ter viabilidade e demandam um tempo certo para a sua ocorrência.

O documento propõe um quadro de adaptações curriculares, classificando-as em Não significativas (modificações menores, realizadas com certa facilidade, no planejamento das atividades) e Significativas (mais profundas, requerem o envolvimento da instituição como um todo).

Adaptações curriculares
Não significativas Significativas
  • Organizativas
  • Relativas aos objetivos e conteúdos
  • Nos procedimentos didáticos e nas atividades
  • Na temporalidade
  • Avaliativas
  • Nos objetivos
  • Nos conteúdos
  • Nas metodologias e na organização didática
  • Na temporalidade
  • Avaliativas

Parece-me um bom exercício discutirmos, nas nossas escolas, essas adaptações possíveis, de modo que a Educação Inclusiva ocorra.

Reparem que há uma repetição em várias modalidades de adaptação curricular. Isto é explicável: as adaptações significativas nem sempre podem ser implementadas de pronto, mas sim processualmente, começando muitas vezes com níveis menos significativos de adaptação.

As decisões curriculares que iniciam as adaptações devem envolver toda a equipe da instituição. Isto evita a transferência de responsabilidade e a constante recorrência aos recursos externos.

O texto indica, ainda, que existem três níveis de adaptações curriculares:


Esquema 2 – Níveis de adaptações curriculares

As adaptações individualizadas podem envolver o acesso ao Currículo (elementos físicos e materiais) e os elementos curriculares propriamente ditos (formas de ensinar e avaliar, conteúdos, temporalidade).

Fica claro, portanto, que não se trata de empobrecer ou desvitalizar o currículo escolar, mas um trabalho cuidadoso de avaliação da instituição e de diversificação das possibilidades do desenho curricular, permitindo o atendimento das diversidades existentes.

Verbete Adaptações Curriculares

Elaborado por: Elizabet Dias de Sá

As adaptações curriculares propostas pelo MEC/SEF/SEESP para a educação especial visam promover o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, tendo como referência a elaboração do projeto pedagógico e a implementação de práticas inclusivas no sistema escolar. Baseiam-se nos seguintes aspectos:

De acordo com tais diretrizes, os critérios de adaptação curricular são indicadores do que os alunos devem aprender, de como e quando aprender, das distintas formas de organização do ensino e de avaliação da aprendizagem com ênfase na necessidade de previsão e provisão de recursos e apoio adequados. Considera-se Apoio os diversos

“recursos e estratégias que promovem o interesse e as capacidades das pessoas, bem como oportunidades de acesso a bens e serviços, informações e relações no ambiente em que vivem. Tende a favorecer a a autonomia, a produtividade, a integração e a funcionalidade no ambiente escolar e comunitário”.

O apoio é caracterizado em termos de intensidade, sendo classificado em:

Os parâmetros curriculares propõem uma diferenciação entre adaptações e acesso ao currículo, cujas proposições se apresentam de forma confusa e reiterativa. Podemos inferir que as adaptações curriculares são concernentes às alterações de conteúdo, estratégias ou de metodologia e que o acesso ao currículo refere-se a recursos tais como adaptações do espaço físico, materiais, mobiliário, equipamentos e sistemas de comunicação alternativos.

Apresentamos, a seguir, os tipos de adaptações propostas:

A ênfase em parcerias com instituições especializadas e a manutenção de estruturas e serviços de apoio paralelos representam um esforço de conciliação entre modelos conceituais conflitantes. O que parece ser evitado é o desmantelamento de tais estruturas e o confronto de posições antagônicas que acirram a polêmica acerca da escola inclusiva.

Considerações Gerais

A operacionalização da escola inclusiva é focalizada em termos da transferência de recursos e de serviços de apoio especializados para o ensino regular. Neste sentido, a educação especial é concebida como modalidade de educação escolar complementar e necessária para que alunos com necessidades educacionais especiais alcancem os fins da educação geral. Este é o viés que permeia as proposições contidas no documento lançado pelo MEC para orientar a ação pedagógica dos educadores quanto às adaptações curriculares que visam a inserção, no sistema escolar, de alunos com deficiências física, sensorial, mental, altas habilidades, condutas típicas e outras peculiaridades. Tal viés é justificado na afirmação de que:

“A análise de diversas pesquisas brasileiras identifica tendências que evitam considerar a educação especial como um subsistema à parte e reforçam o seu caráter interativo na educação geral. Sua ação transversal permeia todos os níveis – educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação superior, bem como as demais modalidades- educação de jovens e adultos e educação profissional”.

(Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares MEC/SEF/SEESP 1998: 21)

Em contraposição, outras correntes teóricas sustentam que

“O que define o especial da educação não é a dicotomização e a fragmentação dos sistemas escolares em modalidades diferentes, mas a capacidade de a escola atender às diferenças nas salas de aula, sem discriminar, sem trabalhar à parte com alguns, sem estabelecer regras específicas para se planejar, para aprender, para avaliar (currículos, atividades, avaliação da aprendizagem especiais). (...) Em outras palavras, este especial qualifica escolas que são capazes de incluir os alunos excluídos, indistintamente, descentrando os problemas relativos à inserção total dos alunos com deficiência e focando o que realmente produz essa situação lamentável de nossas escolas”.

(Mantoan: http://www.lerparaver.com/bancodeescola)

Consideremos a complexidade do tema cujo antagonismo de análises e tendências anima um efervecente embate teórico e político acerca da educação especial e inclusiva. Esse é um embate que interessa sobretudo aos educadores que não deveriam se omitir, pois são os interlocutores privilegiados e protagonistas da ação pedagógica. Esperamos que exercitem o questionamento e a crítica, numa atitude proativa e que sejam capazes de identificar concepções subjacentes ao texto e o contexto de possíveis paradoxos, contradições e paradigmas fundantes das políticas educacionais.

Para Saber Mais

Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações

Estes parâmetros foram construídos a partir das contribuIções de parecistas, representantes de órgãos e instituições governamentais e não-governamentais sob a coordenação da Secretaria Nacional de Educação Especial-SEESP/MEC. Os principais tópicos desenvolvidos foram anunciados sinteticamente neste verbete.

A Educação Especial no Brasil: da exclusão à inclusão escolar

Como pode um Currículo Inclusivo ser Desenvolvido?

O desenvolvimento de um currículo que seja inclusivo para todos os alunos, implica em ampliar as definições atuais de aprendizagem. Currículos inclusivos são baseados em uma visão de aprendizagem como algo que acontece quando os alunos estão ativamente envolvidos em compreender suas experiências. Este enfoque enfatiza o papel do professor como facilitador, ao invés de instrutor.

O currículo deve ser flexível suficientemente para responder às necessidades de todos os alunos. Não deve, portanto, ser prescrito rigidamente a nível nacional ou central. Currículos inclusivos são construídos de forma flexível para permitir não somente adaptações e desenvolvimentos em nível da escola, mas também adaptações e modificações para atender às necessidades individuais dos alunos e aos estilos de trabalho próprios de cada professor. Uma questão chave para formuladores de políticas educacionais é como permitir às escolas que modifiquem seus currículos para atender às necessidades individuais de cada aluno, e como encorajar esse enfoque.

Currículos mais inclusivos trazem consideráveis demandas sobre os professores. Eles têm que se envolver, em nível local, no desenvolvimento curricular e estar capacitados para fazer adaptações curriculares em suas próprias classes. Além disso, eles têm que dar conta de uma complexa série de atividades na sala de aula; ter habilidade para planejar a participação de todos os alunos; e saber como dar suporte à aprendizagem de seus alunos, sem lhes fornecer respostas predeterminadas. Também têm que compreender como trabalhar fora das fronteiras tradicionais das disciplinas escolares, de forma culturalmente sensível e relevante.

Currículos rígidos e carregados em conteúdos são geralmente a maior causa de segregação e exclusão. O desenvolvimento de um currículo inclusivo é, sem dúvida, o fator mais importante para se alcançar uma educação inclusiva.

Questões para nortear ações: